Venezuela: antes e agora

Venezuela: Then and Now · Tradução de Giácomo de Pellegrini
· 50 minutos de leitura

Parte 1: Antes e agora

A Venezuela já foi um dos países economicamente mais prósperos da América Latina. Sua economia foi alimentada por fortes indústrias agrícolas e petrolíferas, e seu PIB foi próximo ao dos Estados Unidos. Hoje, a Venezuela é mais pobre do que era antes de seu boom econômico na década de 1920, sua infraestrutura está se deteriorando e sua economia vem encolhendo desde a virada do século. O custo para as vidas humanas tem sido devastador: desde 2014, mais de 3 milhões de venezuelanos fugiram das condições inóspitas do país. Dos que permanecem, 90% vivem na pobreza. A hiperinflação (aumento de preços fora de controle) deixou a moeda sem valor e tornou quase impossível para os venezuelanos suprirem suas necessidades básicas, como alimentos, produtos de higiene pessoal e remédios (BBC).

Como a nação que abriga as maiores reservas de petróleo do mundo encontra-se nessa situação atual, tão diferente da Arábia Saudita com a segunda maior reserva de petróleo? Segundo o cientista político Michael Ross, parte da crise da Venezuela decorre de seu recurso mais abundante: o petróleo. Em comparação com os países que não são petrolíferos, os Estados petrolíferos têm maior probabilidade de serem autoritários, têm menos probabilidade de transição da autocracia para a democracia e “não são hoje mais ricos, mais livres e pacíficos do que eram em 1980”. Como muitos outros Estados petrolíferos, incluindo o Iraque, a Líbia e o Sudão, a dependência da Venezuela e a regulamentação do petróleo o deixaram vítima do que Ross chama de “a maldição do petróleo”.

Antes do país encontrar petróleo no início de 1920, a economia da Venezuela era dominada pela agricultura e pecuária; grãos de café foram as principais exportações. Em 1922, geólogos da empresa Royal Dutch Shell atingiram o petróleo na região nordeste da Venezuela, levando o país ao topo da indústria petrolífera. A produção anual durante a década de 1920 aumentou de mais de 1 milhão de barris para 137 milhões, colocando a Venezuela em segundo lugar apenas atrás dos Estados Unidos na produção total de petróleo. Em meados da década de 1930, o petróleo totalizava 90% das exportações e pressionava outros setores econômicos, inclusive a agricultura. No entanto, empresas estrangeiras, incluindo a Royal Dutch Shell e a Gulf, controlavam 98% do petróleo venezuelano. Em resposta a esse monopólio estrangeiro na indústria, o governo venezuelano promulgou a Lei dos Hidrocarbonetos em 1943, que exigia que “empresas estrangeiras dessem metade de seus lucros com petróleo ao Estado. Em cinco anos, a receita do governo aumentou seis vezes” (Council on Foreign Relations).

A proeminência da Venezuela no mercado de petróleo continuou através de sua longa sucessão de golpes militares e ditaduras durante as décadas de 1940 e 1950, e o país elegeu seu primeiro governo democrático estável em 1958 (BBC). Os três principais partidos políticos assinaram então o pacto de Punto Fijo, “que garantiu que empregos estatais e, notadamente, rendas de petróleo seriam divididas entre as três partes proporcionalmente aos resultados da votação”. Isso assegurava que os lucros das companhias petrolíferas ficassem concentrados no governo e também serviu como uma garantia contra futuras ditaduras.

A supervisão governamental da indústria petrolífera continuou em 1960, quando a Venezuela aumentou o imposto de renda sobre empresas de petróleo privadas para 65% dos lucros (Council on Foreign Relations). Nesse mesmo ano, a Venezuela tornou-se membro fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), através da qual os maiores produtores de petróleo do mundo coordenam os preços para dar aos Estados maior controle sobre as indústrias nacionais. A adesão à OPEP beneficiou substancialmente a Venezuela durante a década de 1970, quando um embargo da OPEP durante a Guerra de Yom Kippur provocou um aumento dos preços do petróleo. A renda per capita da Venezuela subiu rapidamente para se tornar a mais alta da América Latina (Council on Foreign Relations).

À medida que as receitas petrolíferas quadruplicaram, a Venezuela começou a se voltar ainda mais para a nacionalização e propriedade do governo, e para longe da livre iniciativa e do setor privado. Em 1976, o presidente Perez criou a estatal petrolífera Petroleos de Venezuela, S.A (PDVSA) para coordenar e supervisionar a indústria do petróleo (Council on Foreign Relations). As indústrias de aço, mineração, alumínio, café e cacau foram todas nacionalizadas (transformadas de propriedade privada para estatal), assim como o banco central do país. O investimento estrangeiro também foi proibido em vários setores e foram estabelecidos controles de preços para todos os bens.

O boom durou até os anos 80, quando os preços globais do petróleo despencaram. Como a Venezuela era quase totalmente dependente do petróleo, essa queda derrubou a economia da Venezuela. A inflação disparou e o governo venezuelano assumiu enormes dívidas com a compra de refinarias de petróleo estrangeiras, como a Citgo, nos Estados Unidos. As refinarias tornaram-se subsidiárias da PDVSA, sob controle estatal. Além disso, os bilhões de dólares adicionados aos cofres do governo durante o boom econômico foram mal administrados e desviados durante a década de 1970 (Council on Foreign Relations). Em 1989, o presidente Perez implementou um pacote de austeridade como parte de uma ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI). Motins e greves se seguiram, seguidos por uma tentativa de golpe de Hugo Chávez no início dos anos 90. Apesar de fracassado em sua tentativa inicial de derrubada, Chávez alcançou a fama e acabou sendo eleito presidente em 1998 (BBC).

A plataforma socialista de Chávez era extremamente atraente para a maioria da população venezuelana que sofria com as medidas de austeridade. Chávez elevou drasticamente o imposto de renda sobre as empresas estrangeiras na Venezuela e prometeu usar as receitas do petróleo para expandir os programas sociais administrados pelo governo e contratar mais funcionários públicos, aumentar o salário mínimo para tirar os venezuelanos da pobreza e redistribuir a terra. Essa “Revolução Bolivariana” conseguiu, inicialmente, melhorar alguns indicadores sociais, como alfabetização, renda per capita, taxas de desemprego e mortalidade infantil (BBC, Vox).

Chávez tomou medidas para expandir os poderes da presidência: acabou com os limites dos mandatos presidenciais, aumentou a supervisão do governo e as regulamentações de empresas privadas, como de energia, empresas de telecomunicações e a mídia, e ampliou o controle sobre a Suprema Corte.

Enquanto isso, a indústria petrolífera estatal sofria. Depois de uma greve em 2002-2003, Chávez demitiu milhares de trabalhadores da PDVSA e substituiu-os por apoiadores leais, deixando a empresa para ser administrada por funcionários do governo sem supervisão ou controle de custos, e pouca perícia técnica ou gerencial. Investidores estrangeiros e empresas petrolíferas estrangeiras na Venezuela não gostaram da interferência do governo e perderam a fé na PDVSA, e muitos pararam suas operações (Council on Foreign Relations). Como a receita do petróleo estava sendo usada para os programas do governo, nenhuma receita estava disponível para reinvestir na indústria do petróleo e pagar seus fornecedores; as reservas de petróleo diminuíram e a dívida do governo dobrou (Foreign Policy).

Controles de taxas de câmbio e controles de preços em mais bens tiveram pouco efeito para compensar a inflação; em vez disso, “quebraram o elo básico entre oferta e demanda, criando distorções econômicas surreais” (WSJ). Com a iniciativa privada sufocada; as empresas não conseguiam controlar os preços, preocupadas com constantes contratações e demissões, e atormentadas pelo peso da corrupção e da burocracia. Tanto as empresas estrangeiras como as domésticas pararam de investir na Venezuela e novas empresas não as substituíram por medo de que sua propriedade privada não fosse respeitada (Bloomberg). Em 2011, a América Latina recebeu mais de US$ 150 bilhões em investimentos estrangeiros; A Venezuela respondeu por apenas US$ 5 bilhões, enquanto o vizinho Brasil recebeu US$ 67 bilhões. O número de empresas do setor privado na Venezuela, que já tinha um baixo número de 14.000 em 1998, caiu ainda mais para 9.000 em 2011 (ABC).

Em vez disso, agências governamentais, cooperativas e indústrias estatais compunham a maior parte da economia, incluindo as indústrias de mineração, transporte, telecomunicações, eletricidade e agricultura. Nenhuma das quais produzem muito retorno, e cooperativas em particular, muitas vezes “acabam nas mãos de compadrios políticos incompetentes e corruptos” (NYTimes). Por exemplo, a nacionalização do setor agrícola outrora próspero da Venezuela tornou-o dependente do governo para sementes, fertilizantes e pesticidas. O governo frequentemente não fornece esses suprimentos necessários, tornando impossível para os agricultores cultivar suas plantações com sucesso. O que produzem é regulado por controles de preços, o que significa que as safras são vendidas por muito menos do que aquilo que custa para produzi-las (BBC).

O que isso significa no cotidiano? A produção agrícola despencou. De acordo com o diretor da Confederação de Associações de Produtores Agrícolas da Venezuela, “a Venezuela produzia 70% de seus alimentos - agora importamos 70% deles. Restaurantes frequentemente não têm muitos dos itens no menu. Pessoas em longas filas para entrar em supermercados, quando conseguem, encontraram uma oferta severamente limitada nas prateleiras.

Um jornalista russo na Venezuela observou: “como na Rússia na década de 1980, as pessoas lidam com a escassez recorrendo ao mercado negro”. Outras áreas da sociedade também sofreram: “O chamado governo socialista não fez nenhuma tentativa de proteger a saúde e a educação, os dois supostos pilares de seu programa”. Os professores deixaram as escolas para trabalhar em outros empregos, e os controles de taxa de câmbio levaram à escassez de equipamentos e medicamentos importados (WSJ).

Chávez conseguiu prever muitos dos desastres iminentes decorrentes de suas políticas e acumulou fortes relações com países como China, Rússia e Cuba para enfrentá-los. Em um acordo, Cuba prometeu fornecer médicos, suprimentos e treinamento médico em troca de petróleo de baixo custo (The Lancet). Chávez frequentemente anunciava novos programas governamentais para distribuir bens gratuitos ou com grandes descontos que resultaram desses relacionamentos, como frigoríficos e carros, para os mais pobres do país (Bloomberg). Esses esforços empurraram o pior cenário da crise iminente na Venezuela, e também conquistaram continuamente o sentimento popular para Chávez em torno do período eleitoral. Isso tudo acabou quando Chávez morreu, supostamente de câncer, em 2013.

A morte de Chávez e a subida ao poder por seu vice-presidente em 2014 não mudaram a trajetória da economia. Os preços do petróleo caíram, a inflação atingiu mais de 50% e o governo do novo presidente Nicolás Maduro respondeu com cortes nos gastos públicos. Em meados de 2016, centenas de milhares de venezuelanos protestavam e a reação de Maduro foi reprimir a dissidência e substituir a Assembleia Nacional, liderada pela oposição, pela nova Assembleia Constituinte, lotada de simpatizantes de Maduro (NY Times).

Em maio de 2018, Maduro “garantiu a reeleição” em uma disputa em que várias potências internacionais consideraram antidemocrática. Protestos, agitação política, liderança disputada e turbulência econômica continuaram (Council on Foreign Relations).

Parte 2: Sinais de problemas

Quando Hugo Chávez foi eleito presidente em 1998, os venezuelanos ainda se lembravam das medidas de austeridade apoiadas pelo FMI impostas durante o final dos anos 80 e meados dos anos 90. Chávez identificou-se com os venezuelanos que sofriam com essas políticas, e sua promessa de campanha era usar seu poder para distribuir as receitas públicas e privadas de petróleo aos pobres. Ao redistribuir a riqueza, Chávez prometeu diversificar a maneira como a economia operava dando aos venezuelanos, especialmente os pobres, mais dinheiro e mais opções (CNN).

Muitos venezuelanos, fazendeiros como Ronald e Luis, ficaram inicialmente empolgados com essas perspectivas quando Chávez subiu ao poder. Mas nem tudo foi conforme o planejado. A produção vem declinando na Venezuela há décadas. O PIB (Produto Interno Bruto) do país, depois de ter sofrido seu terceiro ano consecutivo de perdas de dois dígitos em 2018, agora é de US$ 80 bilhões - para comparação, o PIB da Colômbia é superior a US$ 300 bilhões e o dos Estados Unidos é de US$ 19 trilhões. Enquanto isso, a inflação disparou para mais de 1 milhão por cento, deixando a moeda sem valor (WSJ). Incapaz de comprar itens de necessidades básicas, como alimentos e medicamentos, o venezuelano médio perdeu mais de 9 quilos em 2017 e chamou a terrível situação de “dieta Maduro”, referindo-se então ao atual presidente Maduro. O próprio país não pagou bilhões de dólares em dívidas (Council on Foreign Relations).

O que aconteceu entre o início das reformas de Chávez e agora? Como a esperançosa revolução socialista resultou na atual crise, e houve sinais de alerta ao longo do caminho? A situação da Venezuela não se agravou de repente, mas foi produto de anos de políticas governamentais e má administração econômica, da dependência governamental e o deslocamento do poder do setor privado para ataques à propriedade privada, à mídia e aos oponentes políticos.

Dependência do governo e deslocamento do setor privado

A Revolução Bolivariana de Chávez gastou fundos do governo em serviços sociais e programas de bem-estar social, preços fixos e fazendas nacionalizadas, às vezes até mesmo confiscando fazendas familiares como propriedade do Estado para redistribuir a riqueza. Esses programas sociais, chamados “misiones”, prestavam serviços sociais básicos nas áreas de educação, saúde, emprego e alimentação (Harvard). Não havia praticamente nenhum limite para esses programas de bem-estar; em um ano, as doações do governo incluíram aproximadamente 200.000 casas. Em 2010, pouco antes das eleições parlamentares, o presidente Chávez revelou um empreendimento conjunto iraniano-venezuelano que oferecia descontos para os cidadãos (Bloomberg).

Os resultados iniciais foram positivos. Entre 1999 e 2011, o coeficiente de Gini da Venezuela (medida da desigualdade de renda) caiu de 0,5 para 0,39, significando que a Venezuela teve a “distribuição de renda mais justa” em toda a América Latina e ficou à frente dos Estados Unidos e atrás do Canadá no Ocidente. Em 2003, os níveis de pobreza foram reportados em 61% da população. Em 2013, isso foi reduzido para 34% - ainda maior que as taxas de 13,8% no Canadá e[^14,5% nos Estados Unido](https://fas.org/sgp/crs/misc/RL33069.pdf), mas uma redução significativa (Harvard).

Qual é o problema?

Em vez de depender de uma economia empreendedora para produzir uma variedade de bens e serviços para gerar riqueza, o governo da Venezuela tornou seus cidadãos dependentes de uma commodity - petróleo - e aos caprichos do governo sobre como distribuir os lucros. A PDVSA, a companhia estatal de petróleo, foi responsável por esses gastos sociais. Segundo um estudo de Harvard, os programas sociais receberam 23% das contribuições diretas da PDVSA para o governo e o Fonden, o fundo de investimento estatal que financia projetos e programas relacionados à infraestrutura para “produção, educação, saúde, circunstâncias especiais e dívida pública” recebeu 24% das contribuições diretas da PDVSA para o governo.

Havia pouco dinheiro para reinvestir ou manter a indústria petrolífera, mas isso não era preocupante porque os altos preços do petróleo em meados da década de 2000 permitiam que a Venezuela importasse tudo o que já não produzia em casa. No entanto, o uso das receitas do petróleo para a mudança social continuamente aprofundou a dependência do recurso. Chávez expandiu o controle do Estado sobre a indústria do petróleo, mas “pouco fez para melhorar a forma como a Venezuela realmente ganhava dinheiro. Não deu atenção à diversificação da economia na produção doméstica fora do setor de petróleo” (Vox). Os preços do petróleo caíram em 2014, logo após o sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, assumir a presidência, e as receitas do petróleo não eram mais suficientes para manter os programas funcionando ou alimentos e produtos nas prateleiras dos supermercados.

Muitos programas foram cortados, incluindo cestas CLAP, distribuições de alimentos do governo. Em 2018, um pesquisador da Universidade da Venezuela afirmou que as cestas forneciam cerca de metade das necessidades alimentares dos venezuelanos, mas também observou que elas diminuíram de 16 quilos em janeiro para 11 quilos em maio (Bloomberg). De acordo com uma entrevista da Foreign Affairs com funcionários do governo em fevereiro de 2019, as cestas mensais de rações subsidiadas custavam cerca de US$ 400 milhões por mês e eram fornecidas a 7 milhões de domicílios, cerca de 90% da população. Com a população dependente de doações do governo e do governo dependente das receitas do petróleo, o declínio na produção e nos preços do petróleo deixou o país com uma escassez de itens de necessidades básicas.

Ataques à propriedade privada e negócios

O novo modelo econômico de Chávez pretendia que as cooperativas e empresas comunitárias trabalhassem lado a lado com o setor privado, mas, em vez disso, tornou-se o que foi apelidado de “socialismo do século 21” quando o Estado assumiu diretamente o poder. Em 2001, uma nova lei agrícola declarou a terra como uma utilidade pública e uma nova lei de hidrocarbonetos aumentou os royalties de produção que as companhias de petróleo precisavam pagar ao governo, algumas em 80%. Essas leis foram promulgadas sem qualquer discussão pública ou participação no processo legislativo (Harvard).

Desde então, o governo apreendeu milhões de hectares de terras agrícolas, substituiu fazendas privadas por cooperativas e, em 2005, promulgou uma reforma agrária que eliminou as grandes propriedades da Venezuela (BBC). Além de redistribuir terras, Chávez começou a nacionalizar a maioria das indústrias privadas do país e a colocá-las sob controle estatal, como a indústria do petróleo. A partir de 2007, o governo comprou as maiores empresas de eletricidade, telecomunicações e suprimentos agrícolas, bem como o maior produtor de aço do país, produtor de vidro, e as três maiores indústrias de cimento. Chávez até comprou o principal banco da Venezuela do Santander espanhol, colocando o mercado financeiro sob controle do governo (Harvard).

Qual é o problema?

Em vez de operar lado a lado, as empresas estatais começaram a competir com empresas privadas. As empresas privadas sofreram uma série de regulamentações impostas pelo Estado, como licenças complicadas e caras de exportação e importação. Além disso, os altos impostos sobre as empresas - de até 75% para as grandes empresas - deterioraram a concorrência do setor privado. Em 2016, o ambiente de negócios da Venezuela foi classificado como o quarto pior do mundo; estabelecimentos industriais caíram de 12.700 em 1998 para 4.000 em 2016, com estabelecimentos comerciais fechando diariamente (Harvard).

Corporações multinacionais começaram a se retirar do país: várias companhias aéreas internacionais pararam de operar voos para a Venezuela e empresas como Kimberly Clark, General Motors, Clorox e Kellogg’s, em risco de ter seus ativos tomados pelo Estado, fugiram da inóspita condição economia (Reuters). A empresa de embalagens irlandesa Smurfit Kappa, que operou na Venezuela por 60 anos, foi forçada a interromper as operações depois que oficiais militares tomaram as fábricas, acusando a empresa de especulação no mercado e exigindo preços mais baixos (WSJ).

Essas paralisações deixaram milhares de venezuelanos desempregados, e as empresas que permanecem só produzem apenas o suficiente para tentar cobrir as despesas. A fábrica de Giuseppe Cordivani, nos arredores de Caracas, fazia 300 pares de calçados por dia, mas agora só faz 20; A regulamentação estatal monetária, a hiperinflação e os controles de preços tornaram impossível o estoque de matérias-primas ou o pagamento de funcionários. Empreendedores privados como Omar Cedeño, um açougueiro, foram presos simplesmente por vender seus produtos a preços mais altos do que o preço regulado, o que é necessário para manter as lojas funcionando. Autoridades afirmam que “empresas privadas estão enganando clientes com aumentos injustificados de preços que estão impulsionando a inflação”.

O governo ainda domina o que resta do setor privado, subsidiando preços e usando as receitas do petróleo para financiar uma cadeia governamental de mercearias e mercados subsidiados. A produção de alimentos apoiada pelo Estado, no entanto, não foi suficiente. Isso porque o governo nacionalizou os negócios de fornecimento agrícola. Todos os materiais das sementes ao fertilizantes são fornecidos pelo governo, mas os agricultores relatam que o governo frequentemente não entrega. Além disso, a inflação tornou quase impossível o custo de importar novas máquinas, e a indústria siderúrgica controlada pelo governo também não está produzindo equipamentos suficientes. Como a produção doméstica despencou, as importações de alimentos subiram para US$ 7,5 bilhões, um aumento de seis vezes desde que Chávez se tornou o presidente (The Guardian).

Ataques à mídia e à oposição

Quando as pessoas começaram a falar, a supervisão dos meios de comunicação pelo governo foi outro sinal de problemas, e os esforços para impedir a cobertura da oposição aumentaram. De acordo com a jornalista venezuelana Carla Angola, além dos canais controlados pelo governo, a única mídia que chega aos venezuelanos é através de plataformas alternativas de mídia social, como o Whatsapp. Os meios de comunicação afirmam que o governo os ameaçou se eles cobrissem a oposição; estações de rádio foram fechadas, escritórios de canais de televisão foram invadidos e sites foram bloqueados. Um conhecido apresentador de rádio que dirigiu um programa diário por 30 anos, César Miguel Rondón, foi forçado a fechar.

No final de fevereiro de 2019, Jorge Ramos, âncora veterano da Univision News, e sua equipe foram detidos por mais de duas horas no Palácio Miraflores durante uma entrevista com Maduro. Segundo Ramos, Maduro ficou aborrecido com as perguntas relativas à democracia e à crise humanitária, e saiu depois de 20 minutos. A equipe foi interrogada, colocada em uma sala de segurança e depois liberada, embora seus equipamentos, filmagens e telefones tenham sido confiscados (Univision).

Até mesmo a mídia internacional está experimentando reações negativas. Em 6 de março, o jornalista freelance americano Cody Weddle, que vivia em Caracas por quatro anos, foi levado sob custódia após uma incursão matinal em sua casa por forças militares de contra-inteligência. Ele foi libertado mais tarde naquela noite e deportado. Weddle se junta a vários outros jornalistas internacionais que foram detidos e deportados nos últimos dois meses, incluindo jornalistas da Espanha, Colômbia, Chile e França. O ministro venezuelano das Relações Exteriores, Jorge Arreaza, afirma que os repórteres entraram na Venezuela sem a documentação necessária; outros especialistas sustentam que esse não é o caso e que a polícia precisaria autorizar os vistos dos repórteres ao chegarem (Washington Post).

Qual é o problema?

A Freedom House, uma organização internacional que analisa os desafios à liberdade, classificou a Venezuela em 27º lugar dentre os 199 países incluídos no relatório Liberdade de Imprensa 2017, colocando-o entre Ruanda e a República Democrática do Congo. De acordo com a Freedom House, o artigo 57 da Constituição da Venezuela de 1999 garante a liberdade de expressão e o artigo 51 garante o direito de acesso à informação pública, mas as reformas de 2005 no código penal “expandiram o escopo da difamação como crime”. Está “lei de responsabilidade na rádio, televisão e mídia eletrônica” proíbe qualquer conteúdo que possa “incitar ou promover o ódio” e “desrespeitar as autoridades”.

Isto se traduziu no encerramento de qualquer atividade de protesto e opositores políticos. As forças de segurança venezuelanas rotineiramente usam gás lacrimogêneo e balas de borracha para reprimir os manifestantes. Em 2016, manifestações massivas envolveram mais de 6 milhões de venezuelanos, e Maduro respondeu proibindo protestos de rua, o que levou a mais de 130 mortes e quase 5.000 prisões (Washington Post). Em 2017, funcionários das Nações Unidas para os direitos humanos não foram autorizados a entrar no país durante uma investigação de mais de 120 mortes que poderiam ter sido relacionadas às forças do governo (Reuters).

Muitos desses protestos foram em resposta às tentativas do governo de consolidar o poder, que começou após as eleições de 2015, quando a oposição ganhou uma maioria de dois terços no Congresso da Venezuela, a Assembléia Nacional. O presidente Maduro começou a despojar o Congresso de seus poderes constitucionais antes de substituí-lo por uma Assembleia Constituinte repleta de legisladores mais leais ao regime de Maduro. Ao deslegitimar a Assembleia Nacional, Maduro também pode declarar as nomeações da Suprema Corte para a Assembleia ilegais, e substituiu a Suprema Corte por um Tribunal Supremo de Justiça paralelo, também repleto de novos magistrados que Maduro confiava (Miami Herald).

Antes das eleições de maio de 2018, Maduro proibiu a candidatura de vários candidatos do partido da oposição e prendeu outros. Leopoldo López, um membro de alto escalão de um dos grupos de oposição da Venezuela, foi preso em 2014 após liderar protestos contra Maduro (The Guardian). Após a libertação, Lopez e outro líder da oposição, o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, foram presos em ataques noturnos em suas casas em 2017. Os dois continuam sob prisão domiciliar (NPR). Outros membros proeminentes da oposição, incluindo Julio Borges, o ex-chefe da Assembleia Nacional, estão vivendo no exílio e tentando obter apoio internacional contra o regime de Maduro.

O exemplo do petro-estado para não seguir

A Venezuela não está sozinha. Um termo específico foi criado para descrever a bagunça em que se encontra. Um petro-estado é um “termo informal usado para descrever um país com vários atributos inter-relacionados”, incluindo:

  • Renda do governo que depende muito da exportação de petróleo ou gás natural
  • Uma minoria da elite que possui a maior parte do poder econômico e político
  • Instituições políticas fracas, agravadas pela corrupção

Outros petro-estados notáveis ​​incluem Argélia, Irã, Camarões, Chade e Líbia (Council on Foreign Relations).

Dado o seu fracasso em diversificar a economia e sua dependência do petróleo; o controle do governo e a supervisão da indústria que impedia o florescimento do empreendedorismo; e as tentativas de impedir qualquer tipo de oposição, a Venezuela encontrou-se na posição perigosa de um petro-estado.

Os sinais claros de problemas vieram de um líder carismático que prometeu à nação que o governo era uma solução para seus problemas, e tornou o país dependente de um recurso, ao mesmo tempo em que fechava a competição e a diversidade de opiniões e debates. Embora possa parecer estranho que tal cadeia de eventos possa acontecer sem aviso prévio, a lenta dissolução da democracia acontece com frequência, enquanto muitos elogiam cegamente os passos intermediários. Em meio a paralisações da mídia e intimidação da oposição em 2011, por exemplo, o senador Bernie Sanders sustentou que a Venezuela é um exemplo devido à sua baixa taxa de desigualdade de renda. É importante que todos nós tomemos nota das fases iniciais do caminho destrutivo da Venezuela porque, como você lerá na próximo parte, são os venezuelanos comuns que tentam viver o dia-a-dia, os mais duramente atingidos.

Parte 3: Impactos sociais: situação da crise na Venezuela

Inflação

Conforme observado nas partes anteriores, a extensão das reservas da Venezuela tornou essencialmente o petróleo a única exportação do país. As receitas do petróleo permitiram que a Venezuela importasse bens do exterior, mas uma queda nos preços do petróleo em 2014 interrompeu esse padrão. Sem os altos preços do petróleo, as receitas diminuíram e a Venezuela não podia mais importar os bens que não produzia. A escassez de mercadorias elevou os preços, resultando em uma inflação maciça que atingiu800% em 2011. Os controles de preços sob o presidente Chávez tornaram os itens de necessidades básicas mais acessíveis, mas isso significava que não era mais lucrativo para as empresas fazê-los; Como resultado, as pessoas foram forçadas a recorrer ao governo por doações ou ao mercado negro (BBC).

O presidente Maduro aumentou repetidamente o salário mínimo na tentativa de combater a inflação desde 2013. Em agosto de 2018, um aumento de 3000% do salário mínimo deixaria-o a 1800 bolívares, cerca de US$ 20 por mês. A inflação já superou 1 milhão por cento, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que os preços ao consumidor subirão 10 milhões por cento em 2019. Isso porque nenhum investidor estrangeiro está disposto a arriscar um investimento de capital dada a instabilidade econômica e a inflação continuará subindo à medida que o governo imprime mais dinheiro para “cobrir um déficit orçamentário crescente” (Bloomberg).

Então, como é essa hiperinflação? Até o final de 2018, os preços dobraram a cada 19 dias em média (BBC). Em parte porque o dinheiro se tornou tão inútil, quase 90% da população da Venezuela vive na pobreza. Para Marilyn Alma, mãe de três filhos, que teve que desistir da custódia de seu filho mais velho porque não podia alimentá-lo, uma dúzia de ovos equivale a três dias de salário. Um quilo de manteiga custa cerca de um terço do salário mínimo mensal. O presidente Maduro respondeu com a introdução de uma nova moeda, que era a antiga moeda com cinco zeros eliminados. O esforço só conseguiu criar duas moedas sem valor circulando pela Venezuela (NYTimes). A Business Insider ilustra ainda mais a crise.

Educação

Enquanto a economia desmorona, a educação tornou-se um luxo para poucos venezuelanos que permanecem no país. Josefina Chavez, uma professora substituta, observa que a matrícula em suas aulas caiu de bem mais de 30 alunos para algo entre 10 e 20, dependendo do dia. A maioria dos estudantes não frequenta regularmente, e um lapso no transporte público também dificulta que as crianças cheguem à escola (Washington Post).

Muitos estudantes frequentam a escola principalmente para receber as refeições fornecidas pelo Estado, mas em algumas escolas, como a Unidade Educacional Miguel Acevedo, a cerca de 80 quilômetros de Caracas, não há energia e só há água corrente três dias por semana. Muitas escolas atrasaram o início das aulas em setembro de 2018 devido à “falta de energia, saneamento inadequado e alimentação insuficiente” (Reuters). Kory Hernandez, outra professora substituta, observa que muitos profissionais fugiram do país, deixando escolas que poderiam abrir sem o pessoal docente para fazê-lo (Washington Post).

O ensino pós-secundário também está sofrendo. A Universidade Simon Bolivar, apelidada de Universidade do Futuro da Venezuela, foi financiada pelo governo desde sua inauguração em 1970. Agora é financiada por doações privadas de ex-alunos residentes no exterior, mas esses fundos não são suficientes para salvar a infra-estrutura da universidade. Professores só podem esperar ganhar o equivalente a US$ 25 por mês, e muitas aulas são ministradas via Skype por graduados, pois os professores fogem do país para buscar outras oportunidades de trabalho (Bloomberg). Mais de 430 professores e funcionários deixaram a universidade entre 2015 e 2017 (CNN).

Cuidados de saúde

A educação não é o único setor que experimenta fuga de cérebros; Mais de 13.000 médicos fugiram das condições inóspitas da Venezuela desde 2014, em busca de melhores oportunidades no exterior (NPR). Além da situação de crise em que não conseguem viver, os profissionais médicos também são atacados pelos parentes frustrados dos pacientes; De acordo com o grupo de defesa dos médicos, Médicos para a Saúde, “os atos violentos no decadente sistema médico da Venezuela se tornaram cada vez mais comuns”, e incluem roubos e tiroteios (Reuters).

Profissionais da área médica também estão sofrendo abusos do governo. Os médicos foram interrogados e os diretores de hospitais foram suspensos por publicar trabalhos de pesquisa ou fazer declarações públicas sobre a gravidade da situação da Venezuela e o papel do governo na deterioração do sistema de saúde. A Constituição de 1996 garantiu o direito à saúde como “uma obrigação do Estado” e criou um sistema nacional de saúde pública integrado ao sistema de seguridade social. O Estado, no entanto, não cumpriu a Constituição e, em vez disso, reduziu o financiamento, silenciou os profissionais e censurou as publicações do sistema de saúde. O governo agora gasta cerca de 1,5% do PIB em saúde, 75% menor do que o padrão mundial (CEPAZ).

Em 2015, o Ministério da Saúde da Venezuela “parou de publicar atualizações semanais sobre indicadores relevantes de saúde”. Quando a ministra da Saúde, Antonieta Caporale, resumiu brevemente as atualizações em 2017 e publicou as estatísticas de mortalidade, foi rapidamente demitida. Além de revelar que a mortalidade materna aumentou 65% e a mortalidade infantil aumentou 30% entre 2016 e 2017, a publicação revelou que a taxa de incidência de tuberculose é mais alta desde a década de 1970; que houve 2000 casos de difteria e 7300 casos de sarampo registrados durante 2017; e que 9 estados venezuelanos estavam sofrendo uma epidemia de malária que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu agora como uma situação de emergência. Em 2018, o Centro Venezuelano de Classificação de Doenças (CEVECE), que garantia a integridade e a qualidade dos registros de saúde, também foi eliminado (Human Rights Watch, CEPAZ).

A maioria dos venezuelanos já não recorre aos hospitais do país para tratamento. Entre 2011 e 2017, os hospitais perderam pelo menos 60% de sua capacidade de assistência médica devido à “escassez de suprimentos, falha de milhares de máquinas, ruptura de tubulações de esgoto, demissão de pessoal de saúde, falta de energia e escassez de água”. Adicionalmente, cortes na importação tornaram os medicamentos quase impossíveis de se encontrar. Medicamentos de alto custo não são mais importados, deixando pacientes com câncer, doença de Parkinson e esclerose múltipla sem medicamentos necessários. A escassez varia de 55 a 88% nos hospitais do país para medicamentos mais básicos, como os que controlam a hipertensão ou o diabetes. Outros tratamentos, como doações de órgãos e transplantes, pararam em 2017. Para pacientes com câncer, apenas 4 das 25 unidades de radioterapia do país estão em operação (CEPAZ).

A doença é acompanhada de desnutrição generalizada. Yaneidi Guzman é um dos muitos venezuelanos incapazes de comprar comida, apesar de trabalhar em dois empregos. Um estudo universitário descobriu que, em média, quase dois terços dos venezuelanos pesquisados ​​perderam cerca de 9 quilos em 2017. De acordo com os padrões da OMS, a desnutrição entre crianças menores de 5 anos na Venezuela atingiu o nível de crise (Human Rights Watch). Os venezuelanos chamam isso de “Dieta Maduro”, como observado nesta carta comovente.

Crise dos refugiados

A Venezuela é hoje a origem de uma das maiores migrações em massa de todos os tempos no continente latino-americano. Mais de 3 milhões de pessoas, cerca de 10% da população da Venezuela, fugiram da escassez de alimentos, água e remédios, sendo 2 milhões de pessoas somente em 2016. A maioria das pessoas deixa a Venezuela a pé, disposta a fazer uma viagem de 200 quilômetros pela Cordilheira dos Andes, entre Caracas e a fronteira com a Colômbia; com baixos salários e hiperinflação, poucos podem pagar passagens de ônibus (NYTimes).

Os países vizinhos, incluindo o Equador e o Peru, inicialmente acolheram os migrantes, mas desde então restringiram as exigências de entrada, autorizaram batidas policiais em residentes sem documentos e enviaram tropas para suas fronteiras. Na verdade, os venezuelanos agora precisam de um passaporte para viajar para outros países da América Latina, quando anteriormente só precisavam da carteira de identidade nacional. Isso acrescenta insulto à injúria, já que os passaportes são difíceis de obter devido à “escassez de papel e burocracia disfuncional” (Reuters).

Aqueles que fogem da Venezuela enfrentam a hostilidade de cidadãos de outras nações que acusam os venezuelanos de roubar seus empregos. Antigos médicos e engenheiros venezuelanos trabalham como garçons ou balconistas na Colômbia e no Peru. Alexis Ron, por exemplo, costumava consertar carros de luxo em Caracas; na cidade fronteiriça colombiana de Cúcuta, ele só ganhava alguns dólares por dia lavando carros e seu chefe o pagava. Muitos trabalham para enviar dinheiro aos membros da família que permanecem na Venezuela porque as remessas são a principal renda delas (NYTimes).

A Colômbia, em particular, vizinha da Venezuela a oeste, está suportando o peso dos desafios da Venezuela. Todos os dias, a abertura da Ponte Internacional Simon Bolivar entre os dois países “traz uma fila de venezuelanos para a Colômbia, a maioria permanecendo em pé a noite toda.” No final da ponte está La Parada, um mercado onde os colombianos costumavam ganhar dinheiro no comércio de fronteira, mas é agora onde muitos venezuelanos vão vender seus produtos. Alguns nem sequer têm produtos reais para vender; Laura cruzou a ponte para cortar e vender o cabelo por 30.000 pesos, o equivalente a cerca de 10 dólares. Ela gasta 8 mil desses pesos para pagar pela insulina que sua filha precisa para controlar seu diabetes, a insulina que Laura só consegue na fronteira porque os suprimentos na Venezuela acabaram (BBC).

Você pode ver mais sobre o que a Colômbia está fazendo durante esta crise de refugiados aqui.

Os últimos pontos dolorosos

Infraestrutura energética

O governo da Venezuela manteve as contas de energia baixas para as casas, dependendo de subsídios, mas o declínio nas receitas do petróleo e anos de má manutenção e má administração deixaram o sistema elétrico em péssimo estado. Interrupções intermitentes são uma ocorrência regular como resultado da desintegração da infraestrutura energética, mas uma interrupção maciça no início de março revelou a gravidade da situação. A queda, a pior que o país experimentou, atingiu a capital durante uma hora do rush na noite de quinta-feira e afetou pelo menos 15 dos 23 estados da Venezuela, com algumas fontes dizendo que 22 estados ficaram sem energia. Autoridades pró-governo imediatamente culparam o partido de oposição da Venezuela, alegando que haviam sabotado a represa hidrelétrica de Guri, na Venezuela, como parte de uma “guerra elétrica” ​​dirigida pelos Estados Unidos. O procurador-geral venezuelano declarou que o líder da oposição Juan Guaidó está “sob investigação pela suposta sabotagem da rede elétrica do país” e forças paramilitares prenderam o proeminente jornalista venezuelano Luis Carlos Diaz, alegando que ele também fazia parte do complô (Associated Press, WSJ).

Especialistas em energia, contratados do setor de energia e funcionários da Corpoelec, a empresa de energia do governo, descartam as acusações de sabotagem. Em vez disso, atribuem os problemas a “anos de falta de investimento, corrupção e fuga de cérebros”, e dizem que a extensão do blecaute indica uma grande falha dentro das turbinas da represa de Guri. A subestação de San Geronimo B, que fornece eletricidade para 80% da população da represa de Guri, caiu na quinta-feira, 7 de março. O governo tem usado a subestação de backup San Geronimo A, menor e mais fraca, para enviar energia esporádica a Caracas. Agora, os especialistas dizem que avaliar e reiniciar as turbinas exigiria operadores habilidosos que “há muito saíram da empresa por causa de salários escassos e uma atmosfera de paranoia” (NYTimes).

A energia foi temporariamente restaurada no sábado, 9 de março, antes de faltar novamente em Caracas e ficar sem no fim de semana. A energia tem sido intermitente na capital desde então, e terça-feira marcou o sexto dia de apagões no oeste da Venezuela. A falta só exacerbou o sofrimento do povo venezuelano. O NetBlocks, rastreador de uso da internet, estima que 80% do país não tenha acesso à internet no fim de semana. Especialmente nas cidades ao oeste como Maracaibo, comércios estão sendo saqueados. O chefe da Câmara de Negócios local disse que “onze supermercados, oito padarias, uma fábrica de leite, um processador de frango e outros negócios foram saqueados” desde o fim de semana. Incapaz de detê-los, um açougueiro acabou se afastando enquanto saqueadores destruíam sua loja. Postos de gasolina são incapazes de bombear combustível, fazendo com que muitos se voltem para o mercado negro de gasolina em “um país que subsidia o combustível a ponto de estar quase de graça” (WSJ).

Nos hospitais, as máquinas necessárias para diálise, incubadoras e ventilação artificial pararam de funcionar; alguns hospitais têm geradores de reserva, mas muitos estão danificados ou já estão sem combustível. Os hospitais lutam ainda mais porque as bombas de água dependem da eletricidade. As pessoas optaram por rios poluídos como fonte de água, mas para hospitais a falta de água apenas alimenta “problemas de saneamento que são agravados pela escassez de produtos de limpeza”. Segundo Julio Castro, da organização Médicos pela Saúde, pelo menos 20 pessoas morreram em hospitais públicos devido à paralisação (Reuters).

Em 14 de março, o Ministro da Informação da Venezuela afirmou que a energia havia sido restaurada, embora muitos tenham informado que a energia não tenha sido restaurada em todos os lugares em Caracas e hospitais em todo o país ainda estivessem sofrendo interrupções intermitentes. O apagão revelou o fraco estado da infraestrutura, desmoronando devido à “má administração, corrupção e à crise econômica mais profunda da América Latina já registrada” (WSJ). Essas fotos do The Guardian ilustram o efeito do blecaute em Caracas.

Ajuda externa

Durante a primeira semana de fevereiro, a ajuda dos Estados Unidos e da Colômbia chegou à fronteira colombiana, com mais na fronteira com o Brasil. Maduro negou repetidamente a extensão da crise na Venezuela e descreveu qualquer esforço de ajuda como “parte de uma intervenção militar estrangeira hostil” (The Guardian). Ele ordenou que as tropas barricassem as pontes nas fronteiras para impedir que qualquer ajuda entrasse no país, enquanto o líder da oposição, Juan Guaidó, pediu às forças armadas permissão para ajuda (Reuters). Mais de 300 soldados de baixa patente, que também sofrem com a escassez no país, fugiram de seus postos no fim de semana e buscam asilo na Colômbia. No entanto, são uma pequena fração dos 200 mil soldados das forças armadas da Venezuela que permaneceram fiéis a Maduro e se recusaram a deixar os caminhões cheios de comida e remédios atravessarem a fronteira (NBC).

Os apagões e disputas por ajuda humanitária são apenas os mais recentes de uma série de ocorrências que aumentaram a tensão entre o regime do presidente Maduro e a oposição liderada pelo presidente interino autodeclarado, Juan Guaidó.

Para uma representação visual da crise, veja este conjunto de gráficos.