O livre mercado exige agentes racionais?

Do Free Markets Require Rational Actors? · Tradução de Matheus Pacini
· 6 minutos de leitura

Duas viagens de avião me permitiram ler o livro Previsivelmente Irracional de Dan Ariely. Publicado em 2008, o livro de Ariely oferece uma abordagem popular ao campo crescente da “economia comportamental”. Esse campo combina economia e psicologia (e, às vezes, neurociência) para tentar descobrir se as pessoas sempre se comportam da forma pela qual o modelo econômico do agente racional informa, e se não, por que não. Os economistas comportamentais usam métodos experimentais para ver como as pessoas reagirão a várias situações de escolha e determinar se selecionarão a opção maximizadora de utilidade, como o modelo econômico padrão diz que iriam.

Os resultados, como esse livro de leitura agradável resume, são muito claros: as pessoas agem “irracionalmente”, no sentido de não escolherem a escolha maximizadora de utilidade (isto é, maximizadora de dinheiro), todas as vezes. (É claro, essa noção de racionalidade é muito mais rigorosa do que a ideia misesiana de racionalidade como a escolha dos meios apropriados para se chegar a um fim desejado). Mas, como o título do livro sugere, a evidência experimental é também clara no sentido de que essas irracionalidades não ocorrem ao acaso, e podem ser previstas. Nossos processos de raciocínio estão sujeitos a uma variedade do que parecem ser vieses “embutidos” que nos levam a desviar do modelo do agente racional. Ariely não discute muito as origens desses vieses, mas outras obras no campo da cognição indicam que podem ser características da própria estrutura de nossos cérebros que refletem o longo caminho evolucionário que resultou nos humanos modernos.

Aversão à perda

Por exemplo, uma das tendências que temos é “aversão ao risco”. Nós tememos mais perder algo do que valorizamos quando ganhamos. Frente a duas apostas onde uma possui um valor esperado levemente maior mas um risco maior de perder mais, as pessoas escolherão aquela com um valor esperado menor e um risco menor de perder menos. A tendência de aversão à perda pode ser o resultado da evolução onde evitar o perigo era mais importante do que melhorar a sua própria condição.

Qualquer que seja a origem dessas “irracionalidades previsíveis”, a evidência que elas existem é forte. Elas importam porque nas mãos de alguns, elas tornam-se um argumento para limitar o escopo de escolha das pessoas, ou, pelo menos, usar o poder do governo para estruturar escolhas de forma que irá, supostamente, reduzir aquelas tendências, levando a “melhores” escolhas. Para alguns economistas comportamentais, a irracionalidade e sua previsibilidade diminuem o caso em prol do livre mercado.

Mas tem que ser assim? O argumento em prol do livre mercado realmente depende tanto da racionalidade humana?

Existem dois tipos de respostas que os defensores do livre mercado podem usar para essa irracionalidade aparente. Primeiro, nós podemos perguntar se o caso em prol do mercado realmente depende da racionalidade dos agentes individuais. Infelizmente, muitas abordagens mainstream à economia implicam que esse é o caso, o que leva alguns economistas comportamentais a pensar que a irracionalidade previsível enfraquece o mercado. Contudo, outros economistas, incluindo a Escola Austríaca, não demandam que os agentes sejam estritamente racionais como precondição para que se pense que os mercados são bons. 

Racionalidade ecológica

O que os austríacos e seus companheiros podem argumentar é que não é a racionalidade dos participantes do mercado que importa, mas o contexto institucional dentro do qual agem. Em outras palavras, a racionalidade não é uma característica dos indivíduos que escolhem, mas sim do mercado como um todo. Mesmo se as pessoas cometerem “erros” por não agirem como um modelo restrito sugeriria, elas receberão feedback do mercado competitivo que demonstrará seus erros e os dará incentivos e conhecimento para corrigi-los. Aqueles que conseguem reconhecer suas tendências e corrigi-las se darão melhor do que os que não conseguem, e os mercados permitem-nos fazer isso quando são genuinamente livres e competitivos. É isso que o prêmio Nobel Vernon Smith chama de “racionalidade ecológica”. Mesmo se os indivíduos forem irracionais, o sistema como um todo gera resultados racionais.

O caso em favor dos mercados não se trata de pessoas fazendo escolhas perfeitamente racionais. Em vez disso, a questão é comparativa: sob qual arranjo de instituições as pessoas aprenderão com os erros que inevitavelmente farão e terão incentivos para corrigi-los? O padrão não é a perfeição; é o aprendizado. 

Reguladores racionais?

Mas há um segundo problema com o caso da economia comportamental contra o mercado. Ariely ocasionalmente nota como essa ou aquela política governamental poderia ajudar a lidar com as tendências presentes no nosso processo decisório. Não é tão significativo, mas está presente. O que é interessante, todavia, é que ele nunca questiona se os agentes políticos serão vítimas das mesmas tendências! Ele parece assumir que as pessoas no governo são capazes de produzir políticas ideais para lidar com a irracionalidade previsível. Mas se as tendências são tendências humanas, então por que deveríamos confiar que os políticos podem responder a eles racionalmente? A questão então retorna para aquela que compara o potencial de aprendizado em diferentes estruturas institucionais.

Vale a pena notar também que Ariely tem um hábito de explicar os problemas “norte-americanos” com referência àquelas tendências. No entanto, se as tendências são tendências humanas, então porque os norte-americanos são particularmente propensos a eles? Talvez o problema esteja na política, e não nas tendências. Políticas ruins, como vimos na crise imobiliária norte-americana, podem criar incentivos e bloquear o conhecimento, levando a decisões irracionais.

Os humanos sempre serão imperfeitos e menos do que totalmente racionais, o que é precisamente a razão pela qual não podemos confiar em nenhum deles para gerir a vida dos outros.