A economia subjetivista de James Buchanan

James Buchanan's subjectivist economics · Tradução de Matheus Pacini
· 11 minutos de leitura

James Buchanan, o prêmio Nobel que morreu aos 93 anos em janeiro de 2013, era muito conhecido pelo seu trabalho pioneiro na teoria da Escolha Pública (a aplicação de princípios econômicos à política), economia constitucional (como um mecanismo para limitar o poder governamental), e muitos outros assuntos-chaves de economia política. Seu volumoso trabalho tem sido de interesse para libertários e liberais clássicos pelo que nos fala sobre o comportamento político.

Menos conhecida – mas igualmente importante para os libertários – é sua opinião sobre a natureza da economia em si. Considerando seu subjetivismo profundo e seu individualismo metodológico, Buchanan pode ser visto, pelo menos, como um membro da escola austríaca de economia, e recomendo seus escritos nessa área a qualquer pessoa interessada na tradição de Mises, Hayek, Rothbard e Kirzner. Felizmente, os escritos de Buchanan sobre a natureza e escopo da economia foram reunidos em um volume publicado pelo Liberty Fund alguns anos atrás, What Should Economists Do? Vou tecer comentários sobre a obra, aqui.

Antes de começar, deveria mencionar que Buchanan fez uma importante contribuição ao nosso pensamento sobre os mercados em um editorial alguns anos atrás. Em resposta a um ensaio sobre a ordem espontânea no Literature of Liberty, ele contestou a afirmação de que um ser onisciente poderia, em princípio, prever o resultado do processo de mercado. Ele pensava que aquela afirmação indicava uma compreensão equivocada/incompleta da natureza dos processos espontâneos e, portanto, fazendo uma concessão lastimável aos oponentes do mercado. Para ele, o mercado não foca em algum objetivo externo (que, em teoria, seria conhecido por um ser onisciente estando fora do mercado).

Em vez disso, Buchanan escreveu, “a ‘ordem’ do mercado emerge somente do processo de troca voluntária entre os indivíduos participantes. A ‘ordem’ é, propriamente, definida como o resultado do processo que a produz. Ela, o resultado da alocação e distribuição, não pode existir independente do processo de troca. Ausente esse processo, não existe e nem pode existir uma ‘ordem’”.

Assim, prossegue, “se vista nessa perspectiva, não existe meio pelo qual mesmo o mais idealizado planejador onisciente poderia duplicar os resultados da troca voluntária. Os participantes potenciais não sabem até entrarem no processo quais serão as suas escolhas. Daí se segue que é logicamente impossível para um planejador onisciente saber, a não ser, é claro, que impeçamos a liberdade de escolha do indivíduo.”

Fins Inimagináveis

Existe um argumento robusto contra aqueles que pensam que o arranjo de recursos que surgem por meio dos processos de mercado poderiam ser alcançados por métodos que não utilizam o mercado. Essa suposição é baseada numa interpretação incorreta da ação humana. Quando as pessoas agem no mercado, não estão meramente tentando maximizar utilidade, isto é, alocando de forma ideal seus recursos num grupo predefinido de fins. Em vez disso, são empreendedoras. Em outro artigo já escrevi que, como sabemos pela experiência diária, quando tomamos decisões sobre um futuro incerto, nós somos especuladores, tomadores de risco que encaram um panorama, não somente de forma espontânea para descobrir meios, mas também descobrir fins que nunca imaginamos que existissem. Serendipidade acontece!  Essa possibilidade de dissipar o que Israel Kirzner chama de “ignorância profunda” não é capturada no modelo de maximização de utilidade.

O insight da ordem espontânea instrui os outros escritos de Buchanan sobre a natureza da economia. O “problema econômico” que tem sido o foco da economia moderna refere-se à alocação de recursos escassos entre fins determinados. A economia, então, é reduzida a um problema matemático, reunindo funções de utilidade à restrição de recursos de forma a encontrar a alocação ótima.

 “Desejo que os economistas parem de se preocupar com os problemas da alocação per se, com o problema, como tem sido tradicionalmente definido”, Buchanan escreveu no seu ensaio “What Should Economists Do?”  “Desejo que se concentrem na troca e não na escolha”.

A troca, é claro, requer pelo menos duas pessoas. Para Buchanan, a economia não começa com Robinson Crusoé até a chegada de Sexta-Feira. Na verdade, Buchanan não gosta da palavra economia por razões similares as de Hayek. (Economia é derivada da palavra grega para “negócios familiares”, concebida como tendo um simples conjunto de fins e restrição de recursos (recursos escassos), daí, “economia do lar”). Buchanan preferia o termo que Hayek e Mises utilizavam: cataláxia. Também gostava do termo simbiose: “a conotação do termo é a de que a associação é mutuamente benéfica a todas as partes. Transmite, com certa precisão, a ideia que deveria ser central para a nossa definição. Chama a atenção ao tipo particular de relação, a qual envolve a associação cooperativa de indivíduos, uns com os outros, mesmo quando os interesses individuais são diferentes”.

Colocar a cooperação social no centro da disciplina – seja qual for seu nome – é muito importante. Se o problema econômico a ser resolvido é visto como um de alocação de recursos entre usos concorrentes, a atenção pode facilmente se mover para um processo de decisão centralizado, com burocracias ocupadas por economistas e computadores. O cálculo social do utilitarismo torna-se proeminente. Mas se o foco estiver na cooperação entre os indivíduos, a orientação será diferente. O processo de decisão centralizado é rapidamente visto como uma interferência à cooperação entre os indivíduos.

 “A reciprocidade da vantagem que pode ser garantida por diferentes organismos como um resultado de arranjos cooperativos, sejam simples ou complexos, é a verdade mais importante de nossa disciplina”. Buchanan escreveu: “não existe princípio comparável, e o lugar relevante que tem sido tradicionalmente designado à norma da maximização, que é chamado de ‘princípio econômico’ reflete uma ênfase desorientada”.

Buchanan fez todo o possível para desbancar algumas das concepções errôneas sobre as questões mais fundamentais da economia, mesmo entre os economistas favoráveis ao livre mercado. “O mercado ou a organização de mercado não é um meio com vistas à realização de nada. Em vez disso, é a incorporação institucional dos processos de trocas voluntárias que são feitas pelos indivíduos por meio de suas diversas capacidades”, escreveu. “A rede de relações que emerge ou evolui por meio desse processo de troca, a estrutura institucional, é chamada ‘o mercado’. Nesse cenário, uma arena, na qual nós, como economistas, como teoristas (como espectadores), observamos os homens tentando alcançar seus próprios propósitos, quaisquer que sejam. E diz respeito àquelas tentativas com a qual nossa teoria básica é exclusivamente preocupada se assim pudéssemos reconhecê-la.

Panoramas do Futuro

Note que Buchanan está dizendo que “o mercado” não foca em nada, tal como a alocação ótima de recursos ou a maximização da utilidade. As pessoas focam em tais coisas por meio da troca e da cooperação, e o resultado institucional é o que nós chamamos de mercado. (Da mesma forma, tenho insistido que o “mercado” não raciona recursos, o que é algo que mesmo os economistas de livre mercado regularmente afirmam). Adequadamente concebida, a economia não pode dizer respeito à assistência social, dado que a utilidade não é algo que pode ser agregada (tratada no coletivo). Ao invés disso, é individual e subjetiva, o que significa que os custos (utilidade renunciada) é, também, subjetiva (Buchanan escreveu sobre isso anteriormente em Cost and Choice.)

 “Nessa concepção”, continua, “não existe um significado explícito do termo eficiência a ser aplicado em resultados agregados ou compostos. É contraditório falar do mercado como buscando os ‘objetivos nacionais’, eficiente ou ineficientemente.” Aqui, novamente, Buchanan corrige uma concepção errônea defendida pela maioria dos economistas de livre mercado, que constantemente nos falam que os mercados são eficientes.

Buchanan aprofundou seu pensamento em, pelo menos, mais dois artigos, “General Implications of Subjectivism in Economics” e “Natural and Artifactual Man”.

No segundo de seus artigos, descreveu a “diferença central” dos seres humanos como tendo um senso de “se tornar”. “Nós, como seres humanos […] sabemos que podemos, dentro de limites, moldar a forma que deveremos ter no período entre hoje e a hora da morte”, escreveu. Relembrar-nos desse fato é importante porque “a teoria econômica moderna nos impinge padrões de pensamento que torna o reconhecimento elementar do processo de “se tornar” parte de nosso comportamento, muito difícil de analisar e fácil de negar”. Essa é outra forma de dizer que os seres humanos são inerentemente empresariais; não estão simplesmente agindo para maximizar a utilidade dentro de restrições sabidas. Projetam panoramas do futuro que desejam realizar assim que detectam alternativas que podiam nunca ter sido previstas.

Como notado, Buchanan rejeitava discussões sobre “objetivos nacionais” e outras noções coletivistas, mas foi além daqueles que fazem o mesmo:

Tradicionalmente, muitos de nós têm sido críticos da noção de que “somente indivíduos podem ter objetivos”. Mas estou aqui promovendo a noção mais radical de que nem mesmo indivíduos têm objetivos bem definidos e articulados que existem independentes das escolhas em si.

Disso tudo surge uma forte defesa da liberdade individual que não pode ser facilmente proposta pelo economista moderno, influenciado como é pela sua herança utilitária.

O homem deseja a liberdade para se tornar o homem que deseja. Ele faz isso precisamente porque não sabe que homem desejará se tornar no futuro. Vamos remover de uma vez por toda a defesa instrumental da liberdade, a única que pode possivelmente ser derivada diretamente da análise econômico ortodoxa. O homem não quer a liberdade de forma a maximizar sua utilidade, ou aquela da sociedade da qual faz parte. Ele quer a liberdade para se tornar o homem que deseja.

O foco de trabalho de Buchanan não é inteiramente imune à crítica libertária. Mas no seu núcleo existe algo inestimável para o argumento em prol da liberdade. Ele sempre foi alguém com quem uma pessoa poderia aprender.