A lógica amarga da escolha pública

The Bitter Logic of Political Choice · Tradução de Giácomo de Pellegrini
· 14 minutos de leitura

Tenho tido a sorte na minha carreira acadêmica de fazer parte de algumas aventuras intelectuais incríveis. Há quase 20 anos, Douglass North estava trabalhando em um livro que se tornaria o Entendimento do Processo de Mudança Econômica, e para ajudar nesse processo, ele organizou uma série de conferências no Mercatus Center.

O foco das conferências variou de psicologia cognitiva e filosofia da mente institucionais até economia e história econômica. Eu fui convidado para fazer parte destes grupos de trabalho, e, por fim, reunimo-nos para discutir os rascunhos do livro de North. Mas outros que estavam no grupo também foram trabalhar em seus livros, de modo que continuamos a executar estas conferências manuscritas para livros em processo. Desses incluem-se trabalhos de Avner Greif, Timur Kuran, Deirdre McCloskey, Joel Mokyr, e North com John Wallis e Barry Weingast.

Essas conferências foram, de fato, o tema de uma história no The Chronicle of Higher Education em 2014. Meu próximo livro com Paulo Aligica e Vlad Tarko sobre a administração pública e o liberalismo clássico se beneficiou muito da tal conferência manuscrita numa fase formativa ao processo de escrita.

Outra incrível aventura intelectual da qual fiz parte é o nosso programa Adam Smith Fellowship Mercatus. Esse programa teve início há menos de uma década, com quinze alunos e três professores, e já cresceu para mais de cem alunos e dezenas de professores. No centro do programa está uma intensa leitura das obras de Ludwig von Mises, F. A. Hayek, James Buchanan, Gordon Tullock, e Vincent e Elinor Ostrom, bem como de autores clássicos da filosofia, da política e da economia como Adam Smith, David Hume, e J. S. Mill.

O programa 2018-19 de bolsas na Adam Smith começa esta semana, e no grupo que estarei envolvido iremos explorar os fundamentos da economia pública e da sociedade democrática. Essa, é claro, foi a área crítica acadêmica explorada por James M. Buchanan, vencedor do Prêmio Nobel de 1986 em ciências econômicas. Foi, também, a área crítica acadêmica explorada por Elinor Ostrom, vencedora do Prêmio Nobel de 2009. Ambos, Buchanan e Ostrom, deram contribuições significativas para o avanço das pesquisas em escolha pública e economia política, na segunda metade do século 20 e início do século 21.

Problemas Difíceis

Frequentemente, economistas e cientistas sociais, e certamente o público em geral, encobrem as questões espinhosas da economia pública em uma sociedade democrática. A suposição de que existe um vínculo estreito entre o público e a comunidade política, e que uma determinada engrenagem está em vigor e operando corretamente para garantir esse vínculo estreito, simplesmente não é precisa.

Deixe-me definir o público como aqueles que são afetados por decisões governamentais e a comunidade política como os que são responsáveis na ponderação das decisões governamentais. As decisões políticas têm significativos efeitos externos, e para que as decisões governamentais sejam democráticas, as externalidades negativas de tais decisões devem ser limitadas ou inexistentes.

Isso, claro, é discutido de forma brilhante em The Calculus of Consent, no qual Buchanan e Tullock, analisam os custos externos das decisões políticas e os custos decisórios da unanimidade. Uma regra da unanimidade (100% de concordância) eliminaria todas as externalidades negativas da política, mas tal regra faria da tomada de decisão algo proibitivamente caro. Buchanan e Tullock propõem fazer o trade-off somando os dois custos e minimizando a soma. Essa é a resposta analítica moderna à pergunta atemporal de Jean-Jacques Rousseau sobre como as pessoas podem ser livres enquanto estão sujeitas a vontades que não as suas.

Isto pode parecer muito filosófico, mas fica muito prático se você parar e pensar por um segundo. Para que nossa estrutura política atenda aos padrões estabelecidos pelo princípio democrático de tratar uns aos outros como iguais dignos, precisamos ter um arcabouço analítico que ajude a responder perguntas sobre o escopo e a escala das decisões governamentais, bem como responder a perguntas sobre como, o quê e para quem servem os bens e serviços públicos. Por definição, no setor público, nós não podemos confiar em preços de mercado para fornecer as respostas. Estamos no reino não mercantil da tomada de decisão.

Como disse Ludwig von Mises em Ação Humana: “Onde o cálculo econômico é inviável, métodos burocráticos são indispensáveis” ([1949] 2007, 311). Para colocar isso de uma maneira concreta, as regras da administração burocrática terão que tentar fazer pelos serviços governamentais o que a propriedade, os preços e a contabilidade de lucros e perdas fazem dentro do cenário de mercado. Não se engane, burocratas têm que fazer concessões e enfrentam, ainda que imperfeitamente, restrições orçamentárias.M

Mises também salienta: “Não há dúvida de que os serviços prestados pelo departamento de polícia da cidade de Nova York pode ser consideravelmente melhorado triplicando a dotação orçamentária. Mas a questão é se essa melhoria seria ou não desejável para justificar a restrição dos serviços prestados por outros departamentos - por exemplo, os do departamento de saneamento - ou a restrição do consumo privado dos contribuintes” ([1949] 2007, 309).

A administração pública começa, em essência, onde o reino do cálculo econômico cessa. Mas como os burocratas farão isso? Os estudiosos de finanças públicas e economia pública desenvolveram as ideias de equivalência fiscal e o princípio do benefício para abordar essas questões. Basicamente, a equivalência fiscal significa que as responsabilidades governamentais devem ser divididas de tal forma que haja uma correspondência entre a externalidade sendo endereçada e a unidade de decisão responsável por abordá-la. Não precisamos que o governo federal seja responsável pela coleta de lixo, e não esperamos que o conselho municipal tome decisões com relação à defesa nacional.

Além disso, o princípio do benefício diz apenas que a taxação implica que aqueles que se beneficiam dos bens e serviços públicos pagam a taxa e aqueles que não recebem os benefícios não. Vendo ambas as ideias em uníssono temos a base necessária para organizar a política democrática de uma forma que traz o público relevante em alinhamento com a comunidade política relevante.

O Hábito de Teorizar

Mas espere um segundo: eu disse como isso é feito, ou apenas forneci uma descrição do que deve ser feito caso o governo opere de acordo com os princípios democráticos? Uma das razões pelas quais os economistas tendem a encobrir essa distinção é seu hábito de trabalhar na economia pública com modelos teóricos que postulam uma função estável de bem-estar social e a ficção de um planejador social benevolente e onisciente.

James Buchanan, desde o início de sua carreira, agitou-se contra esses modelos e argumentou que devemos rejeitar a suposição de que o Estado é tanto benevolente quanto onisciente (o “fisc”, como ele apelidou em seu artigo de 1949) e, ao invés disso, modelar a política como um processo de barganha. (Veja também Coyne 2015.) Mas é um processo de barganha peculiar. Como Vincent e Elinor Ostrom eloquentemente colocaram a questão:

Enquanto a renda recebida por fornecer um bem privado transmite informações sobre a demanda por esse bem, os impostos arrecadados sob a ameaça de coerção dizem pouco sobre a demanda por um bem ou serviço público. Pagar um tributo indica somente que os pagadores de impostos preferem pagá-los do que ir para a cadeia. Pouca ou nenhuma informação é revelada sobre as preferências do usuário por bens adquiridos com despesas advindas de impostos.

[1977] 1999, 84.

Como consequência, argumentam, a economia pública deve constantemente procurar arranjos para tomadas de decisão coletivas que reflitam as preferências individuais.

Se isto não for possível, então, qualquer esperança de governança verdadeiramente democrática através do setor público desaparece. São tomadas decisões coletivas que não refletem as preferências das pessoas.. Os custos são impostos a alguns em benefício de outros. Os feedbacks que, em teoria, sustentam os tomadores de decisão do governo que respondem às demandas dos cidadãos estarão completamente perdidos ou invalidados.

Nessa situação, o imperativo governamental de coibir a predação privada resulta na criação da oportunidade de predação pública e exploração de muitos no público por poucos na comunidade política. Ao invés de democracia liberal, enfrentamos a realidade de uma política baseada na discriminação e exercendo o domínio sobre os outros. Voltando a Rousseau, não podemos encontrar nenhum caminho na lógica dessa situação para garantir que as pessoas possam ser livres enquanto sujeitas a vontades que não as suas.

Temos a ausência da capacidade de precificar com precisão os bens públicos, decisões políticas que não minimizam as externalidades e autoridade decisória que não é tão organizada a ponto de combinar o tamanho da externalidade com a unidade de decisão apropriada para a tarefa. Em uma análise comparativa apropriada de governança, essa resposta infeliz às questões básicas da economia pública deveria nos obrigar a reexaminar os argumentos para a governança privada (ver Stringham, 2005, 2007, 2015).

Talvez as alegações sobre a ineficiência da provisão privada de governança sejam superestimadas quando se compara e contrasta essa provisão com a provisão pública de governança. Em vez disso, na análise comparativa dos sistemas políticos e econômicos, devemos adotar uma suposição em favor do surgimento da autogovernança (ver Boettke e Leeson, 2015). Como Peter Leeson (2014) colocou tão sucintamente: autogovernança funciona melhor do que você pensa.

A incapacidade de se descobrir processos precisos reveladores da demanda na provisão de bens públicos é um segredo oculto na economia pública e na economia política. Vários mecanismos têm sido propostos com esse conteúdo para resolver o problema, mas eles fazem isso na teoria e não na prática.

As supostas soluções tendem a confiar em suposições que afastam o problema ao invés de combatê-lo. A disfunção no setor público é generalizada, e as decisões são tomadas, não de forma democrática, mas de acordo com a lógica básica da política: concentrar os benefícios sobre os mais organizados e bem informados, dispersar os custos sobre os mais desorganizados e mal informados, e fazê-lo de forma que concentre os benefícios no curto prazo e disperse os custos a longo prazo.

Este é o jogo ordinário, mas peculiar, da política. Quando levada ao extremo, nossa política não apenas coloca uma barreira entre o público e a comunidade política, mas coloca certos atores políticos privilegiados em posição de serem tiranos sobre seus concidadãos. Eles governam sobre e não com os outros na sociedade sob exame.

A partir de uma pergunta tão simples como a forma na qual autoridades avaliam as escolas que seus filhos frequentam, as estradas nas quais você dirige diariamente e os serviços policiais nos quais você confia para proteger sua vida e propriedade, pode-se contemplar e discutir as questões mais profundas da filosofia social relacionadas com liberdade, dignidade e igualdade de tratamento. Essa é uma conversa que vale muito a pena ter.

Referências

Boettke, Peter J., and Peter T. Leeson, eds. 2015. The Economic Role of the State. Northampton, MA: Edward Elgar.

Buchanan, James M. 1949. “The Pure Theory of Government Finance: A Suggested Approach.” Journal of Political Economy 57 (6): 496–505.

Coyne, Christopher. 2015. “Lobotomizing the Defense Brain.” Review of Austrian Economics 28 (4): 371–96.

Leeson, Peter. 2014. Anarchy Unbound. New York: Cambridge University Press.

Mises, Ludwig von. (1949) 2007. Human Action: A Treatise on Economics. Indianapolis, IN: Liberty Fund.

Ostrom, Vincent, and Elinor Ostrom. (1977) 1999. “Public Goods and Public Choices.In Polycentricity and Local Public Economies: Readings from the Workshop in Political Theory and Policy Analysis, edited by Michael D. Ginnis, 75–103.

Stringham, Edward, ed. 2005. Anarchy, State and Public Choice. Cheltenham, UK: Edward Elgar.

Stringham, Edward, ed. 2007. Anarchy and the Law: The Political Economy of Choice. Oakland, CA: Independent Institute.

Stringham, Edward. 2015. Private Governance: Creating Order in Economic and Social Life. New York: Oxford University Press.

Wagner, Richard. 2016. Politics as a Peculiar Business. Northampton, MA: Edward Elgar.