Você acredita em bruxas?

Do You Believe in Witches? · Tradução de Matheus Pacini
· 8 minutos de leitura

A ordem espontânea pode parecer uma magia assustadora.

Se um barraco tivesse desmoronado, e já se soubesse da morte de um homem como consequência de tal fato, você culparia uma bruxa?

No início do século XX, na antiga colônia britânica do Sudão, o povo Azande acreditava que bruxas e feiticeiros eram responsáveis por todos os infortúnios da vida de uma pessoa. E acreditavam que quase todo tipo de morte – seja devido a um desmoronamento, a um elefante furioso, ou a uma simples doença – era, na verdade, uma morte causada por magia.

De fato, eles acreditavam que o ódio e a inveja de uma bruxa poderiam provocar má sorte, o mal e a morte de outras pessoas – sem a necessidade de a bruxa lançar feitiços ou mesmo estar ciente de sua capacidade para tal.

Podemos nos sentir tentados a zombar de tal superstição “primitiva”. Certamente, o povo Azande representava um caso extremo. Mas a crença, seguindo uma lógica semelhante, de que tudo que dá errado em nossa vida é, de alguma forma, maquinação de nossos inimigos – é ainda muito comum nos dias de hoje.

Por exemplo: independentemente do aumento do preço do barril do petróleo, comentaristas progressistas culpam a ganância dos capitalistas e dos especuladores pelo aumento do preço na bomba.

Causalidade natural, vontade humana e ordem espontânea

Desde tempos imemoriais, em todos os lugares do mundo, em todas as culturas, os humanos têm buscado uma vontade humana ou de características humanas por trás de tudo que acontece – de desmoronamentos ao aumento do preço da gasolina.

Mas, ao longo dos séculos, as ciências naturais deram enormes passos para mudar a forma como os humanos encaram os eventos físicos.

Mesmo que ninguém saiba por certo no dia de hoje se choverá em Nova York daqui a uma semana, praticamente todo mundo acredita que a precipitação (ou sua ausência) será causada em um sentido mecânico por algo impessoal: correntes de convecção, umidade atmosférica, e assim por diante. Dificilmente alguém acha que possa explicar, prever ou controlar a chuva ao apelar para os poderes de bruxas ou espíritos.

Enquanto isso, as ciências do comportamento humano não têm tido o mesmo êxito. Verdade, muitos estudiosos agora entendem que fenômenos sociais como os preços são, nas palavras de Adam Ferguson, “o resultado da ação humana, mas não a execução de qualquer plano humano”. Mas muitos seres humanos comuns ainda pensam que os preços (e a imigração, e o uso de drogas, e praticamente todos os outros fenômenos sociais) decorrem diretamente das ações de capitalistas e de legisladores e que, portanto, a vontade dessas pessoas molda o mundo em que vivemos.

Em outras palavras, nós conseguimos, em grande medida, adotar a visão de mundo mecanicista como um método de compreensão dos fenômenos naturais, embora não tenhamos tido sucesso em adotar a visão de mundo (da ordem) espontânea para compreender os fenômenos sociais. Em vez disso, continuamos presos ao apelo de explanações essencialmente mágicas que dependem do poder das boas ou más intenções.

Neste artigo, Corey Iacono aponta algumas consequências desastrosas desta fé nas intenções: leis destinadas a reduzir o trabalho infantil acabam aumentando-o; leis destinadas a salvar pessoas de drogas que causam dependência acabam sujeitando-as a um aumento de violência; e programas de assistência destinados a alimentar os famintos em países em desenvolvimento acabam incitando ou prolongando guerras civis.

A economia dos malditos gananciosos

Uma das manifestações mais persistentes desse problema é o que Gary Galles, em seu livro “Faulty Premises, Faulty Policies, chama de “economia dos malditos gananciosos”:

Em vez de rastrear sua compreensão de algo que não gosta à sua real origem, as pessoas podem somente rastrear até o ponto em que encontram alguém que podem demonizar como um maldito ganancioso.

Agora, sem dúvida, existem muitas pessoas gananciosas no mundo que, se quiserem obter o seu dinheiro, farão o possível para lhe dar coisas que você desejar.

Se você tem filhos, um maldito ganancioso tentará obter seu dinheiro ao oferecer biscoitos grátis em sua mercearia, de forma que você possa comprar em paz enquanto seu filho come algo.

Se você é cego, existe um maldito ganancioso lá fora tentando tomar seu dinheiro ao criar um carro que você possa dirigir por comandos de voz.

Dentro do mercado, a melhor forma de o maldito ganancioso obter o que ele deseja é dar a você o que você deseja – de forma mais rápida e barata que qualquer outra pessoa. Então, estranhos desconhecidos podem e efetivamente o ajudam diariamente enquanto perseguem seus próprios desejos egoístas, não importando se gostam ou não de você.

E, em geral, em todo nível de interação social além do pessoal e imediato, a benevolência ou malevolência de outras pessoas têm efeitos somente indiretos sobre a sua vida.

Um sistema de significado e vingança

O povo Azande estava totalmente ciente de que os eventos físicos levavam a danos e morte. Se um barraco desmoronasse, era totalmente crível que tivesse sido enfraquecido por cupins.

Mas, de certa forma, isso seria somente o ‘como’ de uma morte. Ainda permaneceria o mistério do ‘porquê’ de o colapso ter ocorrido naquele momento particular, quando aquele homem estava presente, dentro do barraco.

O povo Azande resolveu esse mistério ao encontrar, via oráculos mágicos, qual pessoa com intenções malignas com relação à vítima era realmente uma bruxa – uma bruxa a quem eles poderiam punir.

Assim, diz E. E. Evans-Pritchard, o antropologista que tornou o povo Azande famoso no Ocidente, a bruxaria era “o pêndulo ideológico em torno do qual oscila o processo social de morte e vingança”.

O propósito do conceito de bruxaria, em outras palavras, não era explicar o mundo em um sentido físico, mas conceder às pessoas uma forma de agir no mundo em um sentido social – vingar-se de danos que, de outra forma, não teriam uma origem ou um culpado.

Pode ser que o teatro da moderna política democrática sirva a uma função simbólica similar. Cada político tenta demonstrar sua própria benevolência e seu poder pessoal enquanto promete vingança contra os vários supostos inimigos de seus eleitores – sejam eles imigrantes, especuladores ou somente políticos do partido da oposição.

Um mundo repleto de aliados desconhecidos

Ao redor do mundo, a grande maioria das pessoas está, na verdade, ajudando umas as outras, embora sempre de forma indireta. Enquanto isso, leis bem intencionadas – como aquelas que restringem o uso de drogas ou regulamentam o mercado de trabalho – quase sempre dão errado. E esses efeitos ocorrem independentemente de quão caridosos os eleitores ou os políticos ou os burocratas possam ser.

A boa notícia é que, apesar de nossas instituições humanas em contrário, nós podemos cooperar sem planejar fazê-lo. Nós podemos salvar uns aos outros sem, necessariamente, amar o próximo. O que precisamos fazer é perseguir nosso autointeresse (ou altruísmo) pacificamente – e parar de buscar bruxas para punir por nossos problemas.

Não existe um conflito essencial entre ricos e pobres ou magnatas do petróleo e proprietários de carros. Nós somos parceiros impessoais em um mundo que é uma grande ordem espontânea de paz e prosperidade crescente para todos.