Adam Smith prova que ideias importam

Adam Smith Proved Ideas Matter · Tradução de Matheus Pacini
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Smith, mais do que ninguém, assentou as bases intelectuais do livre comércio e do livre mercado.

Adam Smith foi batizado em 5 de junho de 1723 em Kircaldy, Escócia. Não se sabe ao certo, mas se presume que ele tenha nascido exatamente nesse dia, ou um ou dois dias antes. Seja qual for a data, a racionalidade e a eloquência de seu pensamento transformariam o mundo que passava a habitar.

Por 300 anos antes de Smith, a Europa Ocidental foi dominada por um sistema econômico conhecido como mercantilismo. Embora esse tenha proporcionado melhorias modestas na questão da liberdade em comparação com o feudalismo que o antecedeu, era um sistema arraigado no erro que reprimia o empreendedorismo e tratava os indivíduos como servos do Estado.

Os pensadores mercantilistas acreditavam que a riqueza do mundo era um bolo fixo, dando origem a conflitos sem fim entre as nações. Afinal, se você pensa que existe uma quantia fixa e você deseja uma quantia maior, você tem que tirá-la de outro lugar.

Os mercantilistas eram nacionalistas econômicos. Bens importados, eles pensavam, eram muito prejudiciais à economia doméstica, de forma que a política governamental deveria ser guiada para a promoção das exportações e a restrição de importações. Em vez de bens importados, eles queriam que as exportações fossem pagas por estrangeiros em ouro e prata. Para o mercantilista, os metais preciosos eram a própria definição de riqueza, especialmente na medida em que eram empilhados nos cofres do monarca.

Como tinham pouca simpatia pelo autointeresse, pela busca do lucro e pelo funcionamento dos preços, os mercantilistas queriam que os governos conferissem privilégios de monopólio a uns poucos favorecidos. Na Inglaterra, o próprio rei concedia um monopólio protegido sobre a produção de baralhos de cartas a um nobre particular de grande influência.

A economia do final do século XVIII ainda não era uma matéria de estudo por si só, mas sim um ramo mal organizado do que era conhecido como “filosofia moral”. O primeiro dos dois livros de Smith,  “A Teoria dos Sentimentos Morais”, foi publicado em 1759 quando ele assumiu o posto de professor de filosofia moral na Universidade de Glasgow. Ele foi o primeiro filósofo moral a reconhecer que a função empresarial – e tudo no mercado que a origina – era merecedor de um estudo cuidadoso e de tempo integral como uma disciplina moderna das ciências sociais.

O culminar de seus pensamentos neste sentido foi em 1776. Enquanto os colonizadores americanos estavam declarando independência da Inglaterra, Smith publicava sua colaboração para o mundo, “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”, mais conhecido desde então como, simplesmente, “A Riqueza das Nações”.

A escolha de um título longo por Smith é, em si, relevadora. Note que ele não se propôs a explorar a natureza e as causas da pobreza das nações. Pobreza, em sua mente, era o resultado de quando nada ocorria, quando as pessoas ficam ociosas por escolha ou pela força, ou quando a produção é prejudicada ou destruída. Ele queria saber o que gerava a riqueza material, e por quê. Sua obra era uma análise reveladora que o tornaria um crítico ferrenho da ordem mercantilista.

Na visão de Smith, a riqueza não se resumia a ouro e prata. Metais preciosos, embora confiáveis como reserva de valor e por seus usos industriais, não eram mais do que uma promessa frente à coisa real. Todo ouro e prata do mundo não evitaria a morte de um indivíduo caso não fosse possível trocá-los por alimento, por exemplo. Para o primeiro economista do mundo, a riqueza constituía-se, pura e simplesmente, de bens e serviços.

Tudo quanto aumentasse a oferta ou qualidade de bens e serviços, reduzisse seu preço ou aumentasse seu valor, colaborava no aumento da riqueza e na elevação dos padrões de vida. O “bolo” da riqueza nacional não é fixo; você pode assar um bolo maior ao produzir mais.

Só é possível assar um bolo maior, Smith mostrou, caso ocorressem investimentos em capital e a expansão da divisão do trabalho. Seu famoso exemplo de especialização de tarefas em uma fábrica de alfinetes demonstrou como a divisão do trabalho permite produzir muito mais que o esforço individual e isolado de um trabalhador qualquer. Smith mostrou que esse princípio funciona para as nações justamente porque funciona para os indivíduos que delas fazem parte.

Ele foi consequentemente um internacionalista econômico, que acreditava na cooperação mais ampla possível entre os povos, independentemente de fronteiras políticas. Em resumo, ele era um defensor do livre comércio quando o comércio era prejudicado por uma lista interminável de tarifas, cotas e proibições contraproducentes.

Smith não estava preso à antiga falácia mercantilista de que mais bens deveriam ser exportados do que importados. Ele destruiu a falácia da “balança comercial” ao argumentar que, como bens e serviços constituíam a riqueza da nação, não fazia sentido a intervenção governamental no fluxo de comércio.

O autointeresse, visto com desconfiança por séculos como um comportamento antissocial e ganancioso, foi celebrado por Smith como um estímulo indispensável para o progresso econômico. “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses”.

Além disso, o autointeresse era um incentivo sem igual:

O esforço natural de cada indivíduo para melhorar sua própria condição, quando se permite que ele atue com liberdade e segurança, constitui um princípio tão poderoso que, por si só, e sem qualquer outra ajuda, não somente é capaz de levar a sociedade à riqueza e à prosperidade, como também de superar uma centena de obstáculos impertinentes com os quais a insensatez das leis humanas com excessiva frequência obstrui seu exercício, embora não se possa negar que o efeito desses obstáculos seja sempre interferir, em grau maior ou menor, na sua liberdade ou diminuir sua segurança.

Em uma economia livre, ele ponderava, ninguém pode colocar uma coroa em sua própria cabeça, obrigando outrem a lhe fornecer bens e serviços. Para satisfazer seus próprios desejos, ele deve produzir o que os outros querem a um preço que eles possam pagar. Os preços enviam sinais aos produtores de forma que eles saibam o que produzir e em que quantidades. Não é necessário que o rei designasse tarefas e concedesse monopólios para assegurar que as coisas fossem feitas. Preços e lucro agiriam como uma “mão invisível” com muito mais eficiência que qualquer monarca ou parlamento. E a concorrência se responsabilizaria pela melhora da qualidade e pela manutenção da estabilidade dos preços.

A visão de Smith da concorrência era indubitavelmente moldada pela realidade com que deparava nas universidades de seu dia, repleta de professores mimados e com estabilidade cuja remuneração tinha pouco a ver com o serviço que prestavam aos seus pupilos ou ao público em geral. Enquanto estudante de Oxford na década de 1740, ele observou a lassidão de seus professores que “tinham abandonado até mesmo a pretensão de ensinar”.

É fato que Smith coloca muito mais fé nas pessoas e no mercado do que em reis e decretos. Com sua característica eloquência, declarou que “no grande tabuleiro da sociedade humana, cada peça tem uma vontade própria; e todas essas vontades próprias são distintas daquela vontade única que o governo pode querer impor a todos”.

Smith demonstrou um entendimento do governo muito superior àquele de muitos cidadãos atuais quando escreveu:

Por conseguinte, constitui a maior impertinência e presunção por parte dos reis e ministros pretender fiscalizar a economia dos cidadãos e restringir os seus gastos, seja através de leis suntuárias, seja pela proibição da importação de bens de luxo. Eles são sempre, e sem exceção, os maiores perdulários que existem na sociedade. Cuidem bem dos seus próprios gastos e poderão confiadamente deixar aos particulares o cuidado dos deles. Se a extravagância dos governantes não arruinar o Estado, poderemos estar certos de que a dos súditos jamais o fará.

As ideias de Adam Smith exerceram enorme influência antes de sua morte em 1790 e, especialmente, no século XIX. Os fundadores dos Estados Unidos foram muito influenciados por seus _insights. “_A Riqueza das Nações” tornou-se leitura obrigatória para homens e mulheres das ideias ao redor do mundo.

Como tributo a ele mais do que a qualquer outro indivíduo, o mundo em 1990 era muito mais livre e próspero do que se poderia imaginar em 1776. A força do livre mercado e da globalização em nosso tempo é um testemunho adicional do duradouro legado de Adam Smith. Um think tank na Inglaterra leva o seu nome e busca tornar o seu legado mais conhecido.

As ideias realmente importam e podem mudar o mundo. Adam Smith provou tal ponto e a ele devemos o grande progresso que hoje desfrutamos, tanto pelas ideias ultrapassadas que combateu, como pelas ideias que ele defendeu.