Como o mercado está revolucionando a Etiópia

How Africa's first commodity exchange revolutionised Ethiopia's economy · Tradução de Robson da Silva
· 14 minutos de leitura

Enquanto líderes governamentais, ONGs e corporações elaboram estratégias para fornecer mais comida para as futuras gerações, Eleni Gabre-Madhin está adotando uma abordagem diferente. Preocupada com a escassez de comida que assolou o seu país natal, a Etiópia, em 2002 mesmo após as boas safras de 2000 e 2001, a economista formada em Stanford decidiu que era hora de pensar além da produção de comida e dar uma boa olhada na distribuição. O resultado? O primeiro mercado de commodities da África. Como fundadora e CEO da Ethiopia Commodity Exchange (ECX), Gabre-Madhin criou uma estrutura confiável para consumidores e produtores se encontrarem – uma ideia que vem inspirando outros países africanos. Gabre-Madhin venceu o prêmio Yara Award no African Green Revolution Forum em Arusha, Tanzânia, por seu papel em transformar o mercado de commodities da Etiópia.

O que a levou a fundar a primeira bolsa de commodities da África na Etiópia?

Eu estive fazendo pesquisa sobre o mercado de grãos e outros mercados agrícolas na África por muitos anos e, por acaso, fiz meu PhD sobre mercado de grãos na Etiópia. Uma das coisas que eu via sempre, que tinha visto em outras partes da África, era de como era difícil para os consumidores acharem vendedores e vendedores acharem consumidores, e como era difícil se fazer cumprir contratos. Você veria que um vendedor, por exemplo, um fazendeiro que vendia grãos para um comerciante, não era pago por semanas, e, às vezes, por meses. Havia casos no mercado de café na Etiópia em que as pessoas cometiam suicídio porque tinham empréstimos pendentes e seus consumidores não os tinham pago. Muitos diferentes casos de quebra de contrato. Já na perspectiva dos consumidores, você ouvia que eles tinham que inspecionar visualmente o grão ou o café para checar se era realmente da qualidade que tinham prometido. Eles teriam que pesar e embalar novamente para ver se a mercadoria estava na quantidade e qualidade real que eles estavam contratando. Então esses eram os tipos de problemas na cadeia de fornecimento que nos torna pobres e inseguros em relação à oferta de alimentos. Se as pessoas não podem colher grãos onde eles são produzidos de forma eficiente para onde eles são demandados, então se tem mercados que são segmentados. Têm-se bolsões de superávit em que os preços caem e lugares em outras partes do país onde os preços aumentam porque há um déficit e não há grãos chegando. Foi exatamente isso que aconteceu em 1984 na grande fome que tirou um milhão de vidas na Etiópia. Havia obviamente uma escassez no norte e ainda assim a Etiópia teve que ir ao mundo e apelar por ajuda para comida, enquanto havia um superávit de grãos nas partes férteis no oeste da Etiópia. Quando eu me inteirei disso, disse: “Não pode ser somente uma questão de produzir mais – claro, produzir mais é importante, mas temos que descobrir como distribuir. Temos que descobrir como fazer um mercado eficiente funcionar para todos – para os fazendeiros e consumidores, porque de outra forma sempre estaremos neste ciclo”. A mesma coisa aconteceu em 2002, quando houve boas colheitas consecutivas em 2000 e 2001, e a Etiópia estava indo realmente bem. Então seis meses depois os preços foram a quase zero, e os fazendeiros não podiam vender os grãos. Seis meses depois, no meio de 2002, a Etiópia foi ao mundo por uma ajuda alimentar emergencial com 14 milhões de pessoas com risco de inanição. Eu fiquei tão chocada. Naquele tempo, eu tinha meu PhD e sabia que era nisso que eu queria trabalhar. Eu tive a ideia de uma bolsa de mercadorias e futuros – escrevi sobre isso na minha dissertação. Eu fiz meu PhD em Stanford, que na verdade é especializada em mercados de commodity.

Que outros tipos de discussões estão em andamento sobre distribuição?

Agora, há mais interesse nos mercados e questões sobre distribuição. No debate na Etiópia sobre segurança alimentar e a fome, as pessoas sempre diziam, “mais sementes, mais fertilizantes, mais irrigação – essas são as coisas que precisamos ter”. E sim, você precisa ter tudo isso, mas então aqui está você – você tem uma boa colheita e ainda assim seis meses depois as pessoas estão passando fome. Toda crise gera uma oportunidade, então aquela crise me levou a falar para o governo: “Temos 40 ou 50 PhDs em economia trabalhando em questões de produção, e quatro de nós escreveram PhDs em questões de mercado, e é dessa maneira que distorcemos nosso desenvolvimento – estamos sempre falando sobre produção, no entanto, temos que ter uma perspectiva mais equilibrada em como iremos prevenir a fome na Etiópia, e temos que pensar sobre o lado do mercado”. Aquilo de alguma forma ressoou, e o governo decidiu começar toda uma iniciativa nos mercados. Foi assim que fui convidada a iniciar o projeto da bolsa de mercadorias (commodities), posteriormente deixar o projeto e então começar a empresa.

A ideia da bolsa de commodities ganhou destaque em outros lugares do continente?

Na África, nosso mercado na Etiópia ganhou bastante visibilidade: 18 países têm vindo nos visitar. Houve um interesse enorme. Muitos países estão escrevendo em suas políticas – que eles querem ter uma bolsa de valores. Organizações como as Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, Nova Parceria para o Desenvolvimento da África, Programa de Desenvolvimento da ONU, o Banco Mundial – todas essas organizações estão agora comentando, temos que levar isso a sério, e ajudar os países a pensar em iniciativas como o mercado de commodity (bolsa de mercadorias e futuros) da Etiópia.

Como CEO da ECX, qual será seu próximo passo?

Eu tenho visto essa enorme demanda, e esse será o próximo capítulo – patrocinar essa demanda, em que em certo sentido tem sido criada pela iniciativa na Etiópia. Eu sinto que esse é o próximo passo natural para mim.

E como você fará isso?

Estou criando uma companhia que irá tratar precisamente desse tipo de projeto para países diferentes, trazendo conhecimento, tecnologia e experiência de gestão. Neste ponto, existem cerca de seis países, eu diria, que estão se movendo bem agressivamente para desenvolver mercados de commodity na África, e isso é realmente excitante.

Você tem falado sobre uma desconexão entre consumidores e vendedores – como um mercado de commodity (bolsa de mercadorias) lida com isso e mantém ambas as partes responsáveis?

Basicamente, é um sistema baseado em filiação. Temos membros do mercado que compram um lugar de membro, assim como Charles Schwab e Merrill Lynch são sócios titulares do mercado de ações de Nova Iorque ou Cargill é um membro do conselho de mercado de Chicago. Quando você se torna um membro, você usa esse lugar para comercializar, ou em nome de você mesmo ou de clientes, de quem você quiser negociar. Temos membros do mercado que comercializam em nome de fazendeiros onde eles mesmos são fazendeiros, e membros que são consumidores, como processadores industriais, moleiros de farinha, exportadores, torrefadores, etc. Os membros seguem as regras de mercado no sentido de que eles irão trazer uma commodity ao nosso depósito, ter ela graduada, certificada, pesada e essencialmente armazenada em um depósito que estamos operando. Isso significa que temos uma garantia de que sabemos qual é a qualidade, sabemos qual é a quantidade e sabemos que será entregue na venda. Do lado do consumidor, temos um mercado de balcão que leva os fundos dos consumidores para uma conta pré-negociação que é utilizada para os propósitos do mercado de troca. A empresa não tem envolvimento além de fornecer a plataforma para o consumidor e vendedor se encontrar fisicamente ou virtualmente, e uma vez que tenham concordado em termos de preço e de quantidade, então nosso mercado de balcão pegará os fundos do consumidor daquela conta pré-negociação e os transferirá para o vendedor no dia seguinte. Também no dia seguinte, pegaremos o recibo de depósito do vendedor e transferir a propriedade para o consumidor. Então a empresa é uma avalista de terceiros da transação, e esse é o ponto chave. Ter um avalista para a transação significa que você não precisa de parentes ou conexões especiais. Você não precisa implorar para as pessoas o pagarem ou persegui-los. Você não precisa checar se a qualidade é boa. A empresa está garantindo a qualidade, a quantidade, o pagamento e a entrega. Isso é um grande agregador de valor ao mercado – que se você trocar algo através da empresa receberá pagamento na próxima manhã. Isso significa que somos um sistema de compensação e liquidação “T+1”; o dia da troca sendo “T”. T+1 significa que amanhã de manhã você será pago. Até mesmo o comércio de ações, que é feito por 20 anos, ainda leva 2 ou 3 dias depois da negociação para que o pagamento seja efetuado. Estamos liquidando no dia seguinte. Essa é uma revolução financeira na Etiópia – que é garantido o pagamento no dia seguinte a alguém que vende, especialmente quando você imagina que muitas pessoas têm cometido suicídio ou gasto uma boa parte de seu tempo tentando receber seu pagamento. Essa é uma grande mudança em nosso mercado – que as pessoas podem ir ao mercado dizendo, “Estou indo vender no preço que eu quiser, e ainda ser pago”. A mesma coisa vale para os consumidores: “Terei minha entrega, terei minha mercadoria quando eu quiser, e não meses depois”. Há exportadores que costumavam ter prejuízo em seus contratos de exportação porque o fornecedor demorava parar cumprir seu contrato. Ou processadores, como moleiros, que tinham entregas, mas que elas estariam cheias de areia ou pedras. Eles teriam colocado as entregas em suas máquinas, e suas máquinas quebrariam. Todos esses problemas não desaparecem por causa do nosso sistema.

Os pequenos produtores foram o tema do Fórum da Revolução Verde Africana (African Green Revolution Forum). Eles são capazes de acessar o mercado de commodity facilmente?

No nosso mercado, 12% dos membros são cooperativas de fazendeiros que estão representando 2,4 milhões de pequenos produtores na Etiópia. Esse é um número gigantesco em somente quatro anos e em relação à quantidade de investimento. Milhões estão sendo gastos em conectar os fazendeiros ao mercado, e aqui com menos de 10 milhões em moeda local contatamos 2,4 milhões de fazendeiros em quatro anos. E mais importante, apesar de não comercializarmos diretamente através do mercado, todos os fazendeiros no país estão usando agora o preço da ECX como o preço de referência por causa da transparência em torno do preço. Há 15 milhões de fazendeiros de café na Etiópia, por exemplo, e eles estão referenciando suas vendas de mercado local pelo preço da ECX. Basicamente isso significa que a margem entre o preço local e o preço da ECX tem diminuído quase pela metade. Então se um comerciante sabe qual é o preço do mercado central, mas o fazendeiro não sabe, o comerciante irá tentar diminuí-lo. Mesmo se os preços estiverem aumentando, o comerciante está comprando no menor preço possível para ter uma grande margem – essa margem tem diminuído pela metade do que era antes por causa da transparência do sistema e porque todos estão usando o mesmo sistema. Estamos recebendo 1,2 milhões de ligações por mês sobre informações de preços de mercado fora do servidor de dados da empresa, em que 70% das ligações advêm de áreas rurais. Quando o presidente da Tanzânia, Jakaya Kikwete, veio para a ECX em maio, ele perguntou a uma trader que estava na sua reunião, como ela negociava com os fazendeiros, como ela definia os preços com os fazendeiros. Ela olhou pra ele e disse, “Sr. presidente, mesmo se eu quisesse enganar os fazendeiros eu não conseguiria, porque eles sabem os preços antes de mim”.