Lord Acton - Poder político corrompe

Lord Acton - Political Power Corrupts
· 28 minutos de leitura

Poucos reconheceram os perigos do poder político com tanta clareza como Lord Acton. Ele entendia que os governantes colocam seus interesses acima de tudo e farão praticamente tudo para se manter no poder. Mentem rotineiramente. Difamam seus adversários. Se apropriam do patrimônio privado. Destroem propriedades. Às vezes assassinam pessoas e até marcam multidões para serem assassinadas. Em seus ensaios e palestras, Acton desafiava a tendência coletivista de sua época ao declarar que o poder político era uma fonte de maldade, não de redenção. Ele considerava o socialismo “o pior inimigo que a liberdade já teve de enfrentar”.

Acton falava com autoridade e eloquência quando afirmava que a liberdade individual é o padrão moral pelo qual os governos devem ser julgados. Ele acreditava “que a liberdade é o ápice […] Ela é quase, se não completamente, a marca, o prêmio e a motivação da caminhada para frente e para cima da humanidade […] Um povo avesso à instituição da propriedade privada está desprovido do primeiro elemento da liberdade […] A Liberdade não é um meio para um objetivo político maior. Ela é em si mesma o maior dos objetivos políticos.”

Apesar de Acton ter ficado cada vez mais solitário, ele era admirado por seu conhecimento extraordinário de História. Ele transmitia ao mundo anglófono o rigor de estudar História baseando-se ao máximo em fontes originais, prática introduzida pelos historiadores alemães do século 19. Sua casa em Cannes (França) contava com mais de 3.000 livros e manuscritos. Sua casa em Tegernsee (Bavária), outros 4.000. E em Aldenham (Shropshire, Inglaterra), quase 60.000. Ele marcou milhares de passagens que considerava importante. Acton foi agraciado com o título de doutor honoris causa em Filosofia pela Universidade de Munique (1873), doutor honoris causa em Direito pela Universidade de Cambridge (1889) e doutor honoris causa em Direito Civil pela Universidade de Oxford (1890) - ainda assim, ele jamais recebeu um diploma acadêmico durante toda sua vida, nem mesmo um diploma de conclusão do ensino médio.

Para ser sincero, Acton tinha seus pontos fracos. Não se interessava pela ciência. Apesar de mostrar que se preocupava com os pobres, ele mostrava desdém pelos liberais de Manchester, e os tomava por materialistas, por se importarem com o aumento do padrão de vida. Ele conhecia pouca coisa da história econômica responsável por relatar como viviam as pessoas comuns. E engolia o clichê de que o livre mercado deixa os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, quando na verdade foi o livre mercado - tal como a Revolução Industrial de seu tempo - que salvou milhões de pessoas da fome.

Como era a aparência de Acton? As fotografias normalmente o mostram com uma longa barba. Ele tinha olhos azuis e uma testa alta. “Era de estatura média e, com a velhice, sua personalidade ganhou compostura”, acrescenta o biógrafo David Matthew. “Ele era famoso por ser conversador, mas falava com um estilo alemão, cheio de dados e referências […] Ele gostava de caminhar, atravessando as pequenas elevações das montanhas da Bavária ou de passear pelas bordas dos Alpes marítimos, onde as montanhas e o mar se encontram”.

Acton transmitia uma intensidade tremenda. “Havia uma qualidade magnética nos tons de sua voz”, lembrava um estudante que havia ouvido suas palestras em Cambridge. “Nunca antes um jovem tinha estado na presença de tanta intensidade de convicção como a que demonstrava Lord Acton em cada palavra que dizia. Ela possuía todo seu ser, e parecia envolvê-lo em seu próprio fogo. E as chamas de que se alimentavam eram, ao menos para os presentes, incomensuráveis. Mais do que tudo, era talvez essa convicção que dava às palestras de Lord Acton sua força e vivacidade impressionantes. Ele pronunciava cada frase como se a sentisse, suspendendo-a levemente, e proferindo-a com calculada deliberação. Seus sentimentos eram comunicados à plateia, que permanecia fascinada”.

Histórico familiar

John Emerich Edward Dalberg-Acton nasceu em 10 de janeiro de 1834, em Nápoles. Sua mãe, Marie Pelline de Dalberg, pertencia a uma família católica da Bavária, com raízes na aristocracia francesa. Seu pai Ferdinand Richard Edward Acton, um aristocrata inglês, faleceu quando Acton tinha apenas três anos de idade. Antes do seu sexto aniversário, sua mãe já havia se casado novamente com o Lord Leveson, que mais tarde se tornou o segundo Earl de Granville, um influente whig inglês que serviu como ministro das relações exteriores nos governos liberais de John Russel e William Ewart Gladstone.

Acton foi basicamente educado como um católico - passou por Saint Nicholas (França), St. Mary’s Oscott (Inglaterra), pela Universidade de Edimburgo (Escócia), onde estudou por dois anos, e pela Universidade de Munique (Bavária), onde estudou após não ter sido aceito em Cambridge e em Oxford por ser católico.

Johann Ignaz Von Dollinger, um dos historiadores mais famosos da Europa, foi o professor mais importante de Acton. Pouco depois de Acton ter chegado à Munique, em junho de 1850, ele iniciou a sua preparação para se tornar um historiador. “Tomo café da manhã às oito”, escreveu ao seu padrasto, “depois tenho duas horas de alemão - uma hora de Plutarco e uma hora de Tácito. Essa proporção foi recomendada pelo professor. Nós almoçamos um pouco depois das duas, quando o vejo pela primeira vez no dia. Às três, o meu mestre alemão chega. De quatro até as sete, tenho um tempo livre - leio história moderna por uma hora -  e tenho lido uma hora sobre história antiga um pouco antes do jantar. Tomo chá as oito e estudo literatura inglesa e redação até as dez - quando as cortinas se fecham”.

Acton e Dollinger viajaram pela Áustria, Inglaterra, Alemanha, Itália e Suíça, visitando bibliotecas e livrarias. Analisavam manuscritos e se encontravam com poetas, historiadores, cientistas e políticos.

Os pontos fracos de Acton eram visíveis em suas observações a respeito dos Estados Unidos, que ele visitou com seu padrasto em junho de 1853. Sempre um aristocrata, ele via com maus olhos os hábitos rudes e a ênfase nas coisas práticas da maioria dos americanos. Ele não viu a colossal energia do comércio americano e rejeitava Nova York: “não se pode ver a cidade, pois é muito plana e cercada por navios”.

Entretanto, ao mesmo tempo, essa visita aos Estados Unidos permitiu vislumbrar raras percepções humanas no jovem de 19 anos que tinha saltado da juventude à idade adulta, “Os sorvetes”, conforme escreveu em seu diário, “são fabricados com habilidade - não muito doces, para não causar sede - e eles vendem o equivalente a dois sorvetes em Londres por um preço mais barato […] À noite, brincamos de correr em um campo perto das Cataratas [do Niágara]. Ali, eu perdi o meu chapéu”.

Quando Acton começou a estudar com Dollinger, estava encantado com Thomas Babington Macaulay, o eloquente historiador whig que defendia a liberdade e o progresso humano. Acton se descrevia como “um inexperiente garoto inglês, encantado com as políticas whig”. Mas Dollinger curou Acton de Macaulay, e o jovem se tornou um fã de Edmund Burke, que anteriormente tinha se oposto à Revolução Francesa. Enquanto estudou com Dollinger, Acton frequentava as aulas do grande historiador alemão Leopold Von Ranke, que lembrava que o papel de um historiador era explicar o passado e não julgá-lo.

Um conservadorismo precoce

Aqueles familiarizados com os famosos ataques de Acton à tirania ficarão surpresos com seu conservadorismo precoce. Por exemplo, ao contrário dos liberais de Manchester, como Richard Cobden e John Bright, mas junto com a maioria do povo inglês, Acton apoiou o sul durante a Guerra Civil americana. “É tão impossível simpatizarmos, no campo religioso, com a categórica proibição da escravidão como é, no campo político, simpatizarmos com as opiniões dos abolicionistas”, ele escreveu em seu ensaio “The Political Causes of the American Revolution” (1861). Cinco anos mais tarde, em uma palestra sobre a Guerra Civil, Acton observou que a escravidão tinha sido “um poderoso instrumento, não só para o mal, mas também para o bem na ordem providencial do mundo […] ao despertar, por um lado, o espírito do sacrifício e, por outro, o espírito da caridade.” Acton disse a um amigo: “Fiquei de coração partido quando [o general Robert] Lee se rendeu.”

Em “The Protestant Theory of Persecution” (1862), ele se recusava a condenar a perseguição religiosa no mundo. Parecia defender os líderes católicos que afirmavam que a perseguição era a única forma de manter a sociedade unida. Ele sugeria que protestantes como João Calvino eram piores, pois perseguiam pessoas apenas para oprimir ideias dissidentes. Em particular, Acton era mais aberto: “dizer que a perseguição é errada, me parece, claramente, mentiroso. […]”

Ainda assim, Dollinger e Acton se tornaram grandes críticos da intolerância católica. Os seus alvos contemporâneos eram os ultramontanos, que buscavam suprimir a liberdade intelectual. Dollinger e Acton passaram a discordar das políticas do Vaticano, especialmente depois que o Papa Pio IX publicou o seu famoso Syllabus (1864), em que condenava as supostas heresias do liberalismo clássico, inclusive a ideia escandalosa de que “o Pontificado Romano pode e deve se reconciliar, e concordar, com o progresso, com o liberalismo e com a civilização recente.”

Acton contribuiu com uma série de publicações católicas cuja missão era ajudar a liberalizar a Igreja: a bimensal Rambler, a trimestral Home and Foreign Review (1862-1864), e a semanal Chronicle (1867-1868). Esses esforços foram derrotados em 1870, quando o Concílio do Vaticano declarou que o Papa era uma autoridade infalível sobre os dogmas da Igreja. Como Dollinger era padre, sua recusa em se submeter causou a sua excomunhão. Acton, um homem comum, não precisava seguir oficialmente os decretos do Concílio do Vaticano, e pode permanecer na Igreja.

Foi durante esse período que Acton escreveu um de seus ensaios mais proféticos, “Nationality” (1862), que oferecia um alerta precoce a respeito do totalitarismo: “A qualquer hora em que um único objeto é transformado em um fim supremo pelo Estado, podendo ser a vantagem de uma classe, a segurança ou o poder de um país, mais felicidade para mais pessoas, ou o apoio a qualquer ideia teórica, o Estado se torna, inevitavelmente, absoluto. A liberdade necessita, para a sua realização, a limitação da autoridade pública, já que a liberdade é o único objeto que beneficia a todos igualmente e provoca nenhuma oposição sincera.”

Enquanto isso, em 1865, Acton, então com 31 anos, casou com sua prima, a Condessa Marie Anna Ludomilla Euphrosyne Arco-Valley. Ela tinha 24 anos e era filha do Conde Johann Maximilian Arco-Valley. O Conde tinha apresentado Dollinger a Acton, assim, ele e a jovem Condessa se conheciam desde que ele tinha iniciado seus estudos na Bavária. Ela parecia compartilhar seus interesses por religião e história. Eles tiveram seis filhos, quatro dos quais chegaram à idade adulta. Durante as refeições, Acton falava em alemão com sua esposa, italiano com sua sogra, francês com sua cunhada, inglês com seus filhos e, talvez, alguma outra língua europeia com alguma visita.

A religião sempre esteve na mente de Acton, e ele se tornou muito mais radical do que Dollinger, declarando que os historiadores deveriam denunciar o mal. Em fevereiro de 1879, ele rompeu com Dollinger, depois que o professor recuou de sua visão de que o papel dos historiadores era o de apenas explicar os acontecimentos, mesmo que isso signifique o silêncio em relação a crimes terríveis. Acton insistia que as más ações, como o assassinato, sempre serão más. “O papado planejou assassinatos e massacres nas maiores e mais desumanas quantidades”, ele escreveu, se referindo à Inquisição. “Eles não eram apenas grandes assassinos, mas também faziam do princípio do assassinato uma lei da Igreja cristã e uma condição para a salvação.”

Acton se lamentava: “Estou absolutamente sozinho nessa posição ética fundamental.” Certa vez, confidenciou a sua amiga Charlotte Blennerhasset: “Deixe-me tentar, sendo o mais breve possível e sem discussões, contar-lhe algo que é, na realidade, uma história bem simples, óbvia e nada interessante. É a história de um homem que começou a vida acreditando ser um sincero católico e um sincero liberal; e que então renunciou a todas as questões do catolicismo que não eram compatíveis com a liberdade, e tudo na política que não era compatível com o catolicismo […] Eu passei a ficar entre aqueles que pensam menos no que é, e mais no que deveria ser, que sacrificam o real pelo ideal, o interesse pelo dever, a autoridade pela moralidade.”

Acton enfrentou não apenas choques intelectuais, mas também tempos difíceis durante os anos 1870. Muito de seu sustento vinha da herança de terras agrícolas, mas as rendas agrárias despencaram em meio a uma prolongada depressão ocorrida nesse período. Acton vendeu algumas propriedades em 1883. Alugou parte de seu imóvel em Aldenham e partiu em busca de um trabalho assalariado.

Acton e Gladstone

Graças a seu padrasto, Acton foi deputado por seis anos, a partir de 1859, quando conheceu Gladstone, que acabaria se tornando Primeiro Ministro três vezes. Em 1869, três anos depois de Acton perder sua tentativa de reeleição, Gladstone nomeou Acton Barão, o colocando assim na Câmara dos Lordes. Porém, durante todos os seus anos no parlamento, Acton nunca participou de nenhum debate. Ele apoiava Gladstone silenciosamente, a quem via como um grande líder moral. Eles compartilhavam o gosto de discutir história e religião.

Em artigos críticos, Acton acusou o sacerdote anglicano Mandell Creighton, autor de “History of Papacy during the Period of the Reformation” por não condenar o papado medieval - o promotor da Inquisição. Porém, Acton e Creighton mantinham uma correspondência cordial, que gerou uma das mais inesquecíveis linhas de Acton, escritas em 5 de abril de 1887: “Eu não posso aceitar o seu princípio, segundo o qual devemos julgar o Papa e o Rei diferentemente dos outros homens, com uma presunção favorável de que não fizeram nada de errado. Se há alguma presunção, esta deverá ser contra aqueles que detêm o poder, que aumenta a medida que aumenta o poder. A responsabilidade histórica tem que compensar a falta de responsabilidade legal. O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente.”

Acton, o devoto católico, mudou tanto suas visões que reprovou seu amigo Gladstone por escrever uma defesa absoluta da cristandade contra os ataques dos romancistas populares. Acton percebia que os céticos mereciam crédito por combaterem “aquele edifício terrível de intolerância, tirania e crueldade” que a Igreja cristã havia se tornado.

E o que fazer com seu imenso conhecimento? Acton perseguia incansavelmente novas ideias para livros, apenas para abrir mão delas depois. Ele fez pesquisas para uma história dos Papas, uma história de livros banidos pela Igreja Católica, a história do Rei James II da Inglaterra e a história da Constituição americana. Ele considerou pesquisar um pouco da história universal, cujo tema seria a liberdade humana. Esse passou a ser o seu sonho para uma história da liberdade.

O escritor James Bryce lembrava: Acton “falava como um homem inspirado, como se estivesse bem alto, no cume de uma montanha, e de lá visse sob si o caminho sinuoso do progresso humano, do litoral cimério escurecido por sombras pré-históricas até a mais completa, ainda que partida e intermitente, luz dos tempos modernos. Sua eloquência era esplêndida. Porém, maior que sua eloquência era a sua visão penetrante, que discernia, através de todos os acontecimentos e em todas as eras, a ação daquelas forças morais, ora criando, ora destruindo, mas sempre transformando, algo que modela e remodela as instituições, e que dá ao espírito humano as suas sempre modificantes formas de energia. Era como se toda a paisagem da história tivesse sido subitamente iluminada por uma explosão de luz solar.”

A história da liberdade

Acton cobriu parte de seu tema favorito em duas palestras, “The History of Freedom in Antiquity” (1877) e “ The History of Freedom in Christianity ” (1877), bem como em sua extensa resenha de “Democracy in Europe” (1878), de Erskine May. Ele traçou as origens da liberdade até a antiga doutrina hebraica de uma “lei maior” que se aplica a todos, até mesmo aos governantes. Explicou como, somente no ocidente, a competição religiosa criou oportunidades para os indivíduos se libertarem. Falou sobre como a democracia emergiu das cidades comerciais, além de também falar sobre a doutrina radical de que os indivíduos podem se rebelar quando os governantes usurpam um poder ilegítimo. Ele foi o cronista de batalhas épicas contra tiranos.

Observações memoráveis abundam nesses artigos. Por exemplo: “[A liberdade] é um fruto delicado da civilização madura […] Em todas as épocas o progresso é perturbado por seus inimigos naturais, pela ignorância e pela superstição, pelo desejo de conquistas e pelo amor pelo conforto, pelo desejo de poder dos homens fortes e pelo desejo de se alimentar dos homens pobres […] Em qualquer tempo, os sinceros amantes da liberdade foram raros, e seus triunfos confiados às minorias, que acabaram por prevalecer ao se associarem com pessoas cujos objetivos por vezes se diferiam dos seus. Essa associação, sempre perigosa, foi por vezes desastrosa […] O teste mais acurado, a partir do qual nós podemos julgar se um país é realmente livre, é a quantidade de segurança da qual gozam suas minorias […]”

Por que a liberdade se tornou mais segura nos Estados Unidos do que em qualquer outro lugar? “A liberdade”, escreveu Acton para Mary, filha de Gladstone, “depende da divisão do poder. A democracia tende a unir o poder […] o federalismo é o único controle possível sobre a concentração e o centralismo”.

Infelizmente, faltava a Acton a concentração necessária para realizar um grande projeto. Em seus volumosos documentos não se encontra nem mesmo um esboço da história da liberdade. Ele nunca a iniciou. Tudo que ele deixou foram umas 500 caixas pretas e cadernos, em geral cheios de extratos desorganizados de seus vários trabalhos. Grande parte de seu trabalho é sobre ideias abstratas, ao invés de acontecimentos históricos. O falecido historiador E. L. Woodward destacou que a história da liberdade de Acton foi provavelmente “o maior livro jamais escrito”.

Em 1895, faleceu o historiador de Cambridge, John Seeley, e cabia ao primeiro ministro Rosebery a responsabilidade de apontar um novo Professor Real de História Moderna. Embora Acton nunca tenha dado uma aula em sua vida, ele foi indicado por seu conhecimento, sua lealdade à causa liberal e sua necessidade de um salário. E então Acton, rejeitado quando tentou entrar em Cambridge para sua graduação, acabou recebendo essa prestigiosa indicação.

Em sua famosa aula inaugural, ele insistiu que os políticos deveriam ser julgados como as pessoas comuns: “Eu os encorajo a nunca desvalorizar sua moeda moral ou a rebaixar seus padrões de integridade, mas sim a submeter os outros à norma suprema que governa as suas próprias vidas, e a não permitir que nenhum homem e nenhuma causa escapem da pena eterna que a história tem o poder de infligir sobre a injustiça.”

“A história”, continuava, “ensina que o certo e o errado são distinções reais. As opiniões se alteram, os costumes mudam, crenças ascendem e decaem, mas a lei moral está escrita nas tábuas da eternidade.”

“Os princípios da verdadeira política são os da moralidade ampliada; eu não admito e nunca admitirei qualquer outro.”

Durante seus últimos anos em Cambridge, Acton deu apenas duas séries de aulas - sobre história moderna e sobre a Revolução Francesa - mas seus colegas o viam com reverência. Como recordava o historiador George Macaulay Trevelyan:

“O seu conhecimento, a sua experiência e a sua visão de mundo eram do continente europeu, embora o liberalismo inglês fosse uma parte importante de sua filosofia. De uma só vez, ele criou uma profunda impressão em nossa sociedade, de certa maneira, provinciana. Graduados em todos os temas se amontoavam para estar em suas aulas oraculares, que eram por vezes enigmáticas, mas sempre esplêndidas. Ele tinha a fronte de Platão e a atitude de um sábio que era também um homem do mundo. As suas ideias, que também incluíam muitas de sua própria autoria, descendiam de várias outras fontes e de experiências mais amplas. O que dizia era sempre interessante, mas às vezes estranho. Eu lembro, por exemplo, ele me dizendo que os Estados baseados na unidade de uma única raça, como a Itália ou a Alemanha moderna, acabariam por provar serem um perigo para a liberdade; eu não entendi o que ele quis dizer na época, mas eu entendo agora!”

Acton aceitou uma bolsa de estudos para professores em Trinity, e no início morava em uma de suas salas em Nevile’s Court. Lá, ele poderia ser encontrado a qualquer hora, acessível a qualquer historiador de Cambridge, de [Frederic] Maitland a [William] Cunningham, até ao mais humilde graduando, sempre pronto para ajudar a todos com seu grande estoque de conhecimento. Ele sentava-se à mesa, escondido atrás de um labirinto de prateleiras altas que tinha instalado para acomodar seus livros de história, tendo cada volume pedaços de papel à mostra, marcando as páginas com passagens importantes.

“Ele era bem gentil comigo. Eu me lembro de uma caminhada que fizemos juntos, e do lugar na Madingley Road onde ele me disse para nunca acreditar nas pessoas quando elas depreciavam meu tio-avô [Thomas Babington Macaulay], porque apesar de todos os seus erros, ele foi, no fim das contas, o maior entre todos os historiadores.”

Desde que Acton passou a reconhecer que nunca escreveria uma história da liberdade, ele aceitou editar uma série de livros que reuniria contribuições de várias autoridades respeitadas. Assim nasceu a “Cambridge Modern History”, uma série universal que dissipou suas últimas energias.

Acton sofria de alta pressão arterial e, em abril de 1901, depois de ter editado os dois primeiros volumes, sofreu um derrame cerebral. Ele se retirou à sua casa em Tegernsee, Bavária. Pouco mais de um ano depois, em 19 de junho de 1902, ele morreu enquanto um padre lhe administrava a extrema-unção. Acton foi enterrado em uma igreja próxima.

O legado de Acton

Depois da morte de Acton, a sua biblioteca de Aldenham, de 60 mil volumes - seu principal acervo sobre a liberdade - foi comprada pelo empreendedor americano, da indústria siderúrgica, Andrew Carnegie, e doada a John Morley, um dos últimos liberais clássicos ingleses. Morley, por sua vez, presenteou os livros a Cambridge, para que pudessem ser mantidos sempre juntos.

Durante os vários anos seguintes, John Neville Figgis e Reginald Vere Lawrence, professores de Cambridge, reuniram os trabalhos mais importantes de Acton e os publicaram sob os títulos de “Lectures on Modern History” (1906), “The History of Freedom and Other Essays” (1907), “Historical Essays and Studies” (1908) e “Lectures on the French Revolution” (1910), seguidos por “Selections from the Correspondence of the First Lord Acton” (1917).

Mas ele foi esquecido, na medida em que os “progressistas”, new dealers, socialistas, comunistas, fascistas, nazistas e outros coletivistas aglomeravam um poder político monstruoso que sacrificava a liberdade em nome de fazerem o bem. Então, veio a contagem de mortos - aproximadamente 10 milhões de mortos na Primeira Guerra Mundial, outros 50 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, mais dezenas de milhões de pessoas mortas na Rússia de Stalin e na China de Mao, só para citarmos os maiores assassinos. Mais centenas de milhões estão sujeitos a Estados poderosos cujos impostos retiram 40, 50, 60 por cento do dinheiro suado dos cidadãos.

Em meio à carnificina coletivista, algumas pessoas começaram a lembrar dos avisos de Acton a respeito dos males do poder político e a seu apelo em favor do amor à liberdade humana. “Parece que somos privilegiados por compreendê-lo de uma forma que seus contemporâneos nunca o fizeram,” observou o historiador Gertrude Himmelfarb. “Ele é mais dessa época do que da sua própria. Acton é um dos nossos maiores contemporâneos.”