Esse médico tornou as cirurgias cardíacas mais acessíveis aos pobres abraçando a produção em massa

This Doctor Is Making Heart Surgery Accessible to the Poor by Embracing Mass Production · Tradução de Armando Martins
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Saúde pública é um assunto delicado. Tão delicado, na verdade, que, comparando que algo tão impessoal como a produção em massa de carros, parece praticamente gelado. Mas e se alguns dos nossos problemas de saúde pública mais nefastos, tal como os custos crescentes de procedimentos cirúrgicos, possam ser resolvidos tratando a indústria como a famosa linha de produção de Henry Ford em Piquette Avenue?

Nos anos 1920, Henry Ford revolucionou a indústria automotiva quando ele encontrou um modo de produzir em massa o automóvel por um preço que a classe média podia pagar. Anteriormente ao Modelo T de Ford, automóveis eram um luxo reservados apenas para os ricos. Mas por meio das economias de escala e linhas de produção, Ford dominou a arte da produção em massa. Maximizando sua produção de carros, ele foi capaz de reduzir os custos marginais, o que permitiu que se introduzisse o automóvel para uma classe de pessoas totalmente nova.

Mas o que o Ford Modelo T possivelmente poderia dizer para nós sobre fazer os procedimentos cirúrgicos mais baratos e acessíveis para uma maior quantidade de pessoas? Como se revelou, bastante coisa.

Assim como os custos de saúde americanos continuam a aumentar, muitos não são capazes de pagar pelas cirurgias que estão precisando desesperadamente. De fato, alguém precisando de uma cirurgia cardíaca deve esperar pagar quase um milhão de dólares em custos médicos. E enquanto políticos continuam discutindo sobre como fazer os custos de saúde mais acessíveis, inovadores do setor médico estão seguindo a cartilha de Henry Ford. Um desses inovadores é Dr. Devi Shetty.

Um tipo diferente de médico

Desde quando era um garotinho crescendo no sul da Índia, Shetty sabia que ele queria ser um médico. Na sua infância, ele viu com entusiasmo como os médicos locais de Mangalore reviviam seu pai toda vez em que ele entrava em um coma causado pelo diabetes. Isto deu Shetty e seus oito irmãos e irmãs um imenso respeito pela profissão que havia repetidamente salvo a vida de seu pai.

Quando ele estava na quinta série, o professor de Shetty havia informado entusiasticamente para a turma que o primeiro transplante de coração do mundo havia sido realizado. E assim como estava encantado junto com seus colegas por esse milagre médico, o jovem Shetty teve uma epifania: ele iria ser um cirurgião cardíaco.

Após completar a faculdade de medicina na Índia, Shetty se mudou para a Inglaterra, onde ele realizou cirurgias cardíacas no prestigioso Guy’s Hospital de Londres por seis anos. Enquanto ele estava contente com seu trabalho, ele decidiu voltar para casa na Índia após um famoso industrial oferecer um cargo em um novo hospital do coração que ele estava abrindo em Calcutá. Esta decisão, e as experiências que ele encontrou enquanto operava neste hospital, mudaria depois toda a carreira de Dr. Shetty.

Em seu retorno à Índia, Dr. Shetty ascendeu ao renome quando a mundialmente famosa missionária católica Madre Teresa de Calcutá precisar de seus cuidados depois de sofrer um ataque cardíaco. Após ter se recuperado e recebido cuidados cirúrgicos ministrados pelo doutor que salvaram sua vida, a futura santa então pediu a ele que fosse seu médico pessoal, um pedido que ele dificilmente teria recusado. Apesar dessa famosa paciente ter sido o que inicialmente lhe levou aos holofotes públicos, sua abordagem única para cirurgias cardíacas foi o que fez Dr. Shetty ser verdadeiramente extraordinário.

Enquanto ele continuava realizando cirurgias cardíacas em Calcutá, Shetty estava chateado de perceber que a maioria dos seus pacientes não tinha meios de pagar pelo procedimento. 2500 dólares era muito dinheiro para seus pacientes e muitos simplesmente não tinham dinheiro para isso. “Quando eu dizia aos pacientes o custo, eles desapareciam. Eles literalmente sequer pediam um desconto”,  disse uma vez. Mas Dr. Shetty não estava contente de se manter inerte enquanto seus pacientes ficavam sem cuidados. Em vez disso, ele encontrou um jeito de revolucionar todo o campo de cirurgia cardíaca ao se aproximar da perspectiva empreendedora.

Assim como Henry Ford, Shetty tinha a visão de levar aquilo que era considerado um item de luxo onde apenas os ricos poderiam arcar, acessível para todo o público.

Economias de escala

Se Dr. Shetty queria reduzir os custos das cirurgias, ele precisaria reduzir custos enquanto aumentava a produção. Mas para ter a autoridade de fazer esse tipo de decisão administrativa, teria que começar seu próprio hospital. Foi o que ele fez.

Em 2001, o Narayana Hrudayalaya Hospital abria suas portas. Completamente financiado por entidades privadas, o hospital havia mais de mil leitos. Para entender o quão impressionante esse número é, nos Estados Unidos, os hospitais na média têm cerca de 160 leitos para pacientes receber cirurgias cardíacas. Isto permitiu ao hospital multiplicar drasticamente o número de cirurgias que poderia realizar todos os dias. Reduziu bastante os custos. Bastante mesmo.

Como relatado pela Harvard Business School:

A intenção do hospital era oferecer cuidados de saúde para a massa […] O aspecto interessante de sua formula de negócios era sua habilidade de oferecer cirurgias tão complexas como as de ponte de safena por apenas 2000 dólares, o que é substancialmente mais barato que em outros hospitais similarmente equipados na Índia.

Para colocar esses preços em perspectiva, a mesma cirurgia nos Estados Unidos custaria para o consumidor em torno de 75.345 dólares. Isto porque, em vários países como os Estados Unidos, há regulações que restringem o número de cirurgias que podem ser feitas por cada cirurgião. Por essa razão, a maior parte dos hospitais americanos apenas realizam 32 cirurgias cardíacas por dia. Mas limitar o número de cirurgias realizadas por dia vai contra a demanda de mercado e serve para manter o custo das cirurgias alto por meio do controle da oferta.

No hospital do Shetty, os doutores respondem à real demanda; se há pacientes precisando de cirurgia, eles então vão encontrar um jeito de atender a essa demanda. Na média, Shetty e seu time de cirurgiões realizam mais de 300 cirurgias cardíacas por dia. Na verdade, ao longo de sua carreira, Dr. Shetty realizou ele mesmo mais de 20.000 cirurgias. Este número é aproximadamente 6 vezes mais que a média que um cirurgião americano espera realizar na sua vida toda. E com apenas 62 anos, Dr. Shetty tem ainda bem mais cirurgias para realizar.

Sobre seu modelo único de saúde pública, Shetty diz:

“Companhias japonesas reinventaram o processo de fazer carros. É isso que estamos fazendo com serviços de saúde. O que a saúde pública precisa é inovação no processo, e não inovação no produto.”

Mas enquanto muitos aplaudem o que Shetty está conseguindo alcançar, há outros que se preocupam que o aumento de quantidade de cirurgias por Shetty possa resultar em uma piora na qualidade.

“Em princípio, é uma excelente ideia. Minha única preocupação com isso vem pelo fato que se você procura volumes de produção em atacado, você deve abrir mão de alguma coisa, o que costuma ser qualidade”. Diz o médico indiano Amit Varma. Ele continua: “Eu acho que ele chegou em um ponto onde se você aumenta o volume mais um pouco, você pode comprometer o cuidado com o paciente a não ser que haja suporte a padrões robustos de procedimentos operacionais e processos”.

E enquanto há alguma validade nos receios de Varma, no caso de Shetty, o oposto parece ser o caso. Narayana Hrudayalaya Hospital tem uma taxa de mortalidade de 1.4%, comparado com a média de 1.9% dos hospitais americanos. Mas mesmo essas comparações não dizem toda a história, como o Wall Street Journal aponta:

“Não é possível realmente comparar as taxas de mortalidade, diz Dr. Shetty, porque elas não estão ajustadas às taxas de mortalidade para refletir a idade dos pacientes e outras doenças, no que é chamada de taxa de mortalidade ajustada ao risco. A National Accreditation Board for Hospitals & Healthcare Providers (N.T.: A agência de monitoramento da qualidade dos serviços de saúde na Índia) pede aos hospitais para disponibilizar suas taxas de mortalidade para cirurgias, sem ajuste ao risco.

[…] as taxas de sucesso de Dr. Shetty se mostram ainda melhores se ajustadas ao risco, pois seus pacientes comumente sofrem da falta de acesso até a serviços mais básicos de saúde e sofrem de doenças cardíacas mais avançadas quando eles finalmente chegam para fazer a cirurgia.”

Quando perguntado sobre como seus cirurgiões conseguem realizar números tão altos de cirurgias cardíacas e de alta qualidade, Dr. Shetty diz:

“A prática a faz perfeita. Há um aprendizado pela prática. Quanto mais você faz algo, melhor você fica nisso.”

O futuro da saúde pública

Mesmo que ele já tenha mudado e salvo muitas vidas, Dr. Shetty não está satisfeito em parar de realizar cirurgias cardíacas. Como os custos de saúde crescem, turismo médico também está em alta. Uma vez que várias jurisdições têm regulações médicas duras, a inovação tem sido inibida. Por conta disto, muitos americanos e europeus estão escolhendo viajar para fora de seus países na busca de cuidados menos caros. E com médicos com a reputação de Dr. Shetty, quem pode reprová-los?

Continuando sua missão de fazer cuidados médicos de qualidade acessíveis para todos, Shetty está envolvido em um projeto chamado Health City. Localizado nas Ilhas Cayman, Health City é onde vários dos discípulos de Shetty agora atuam. Oferecendo serviços médicos por um terço do custo dos praticados no Estados Unidos, Health City se tornou uma rota de turismo médico de primeira. De fato, muitos dos procedimentos vem em pacotes que incluem transporte aéreo e hospedagem, tudo oferecido a um preço muito menor do que os procedimentos cirúrgicos cobrados nos Estados Unidos.

Mas há algo a mais nessa localidade além de ser um destino para americanos em busca de custos menores de saúde: sua proximidade a lugares como o Caribe, por exemplo. Como Shetty explica:

“Há 40 milhões de pessoas morando no Caribe. Antes de Health City, a única opção para serviços de cuidados médicos eram os Estados Unidos - assumindo que o paciente conseguisse arcar com esses custos. Agora há uma alternativa.”

Por tratar os serviços de saúde como um produto em massa, Shetty pode aumentar a qualidade dos cuidados médicos, enquanto os tornava financeiramente acessíveis para um número maior de pessoas. Em vez de esperar que o governo conserte nosso sistema de saúde, nós devemos procurar inovadores como Dr. Devi Shetty.